segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O Dr. Rui do Lula


Comparar Lula a Ademar de Barros era um despropósito.
Ademar veio da elite, formou-se médico, deixou um legado de diversas obras, em mandatos de prefeito e governador, principalmente. Vários feitos, como a hidrelétrica de Ilha Solteira, a Rodovia Anchieta, a Polícia Rodoviária, o Hospital das Clínicas (que leva seu nome), o estádio do Pacaembu e mais uma leva.
Muitos deles inclusive já não existem, como a Rodoviária da Praça Roosevelt.

Mas um feito, melhor dizendo, um lema, um slogan, que ele mesmo levou a sério, ainda ressoa: o "rouba mas faz", com o qual chegou a estampar uma de suas inúmeras campanhas.
Lula mais disse que fez do que propriamente fez. Seu legado é sua jornada pessoal, deveras impressionante. Os Ademaristas declinavam as inaugurações com o peito cheio. Os Lulistas saúdam sua origem, sua esperteza, sua picardia.
Em comum com os Ademaristas, os Lulistas estão cada vez mais fadados a conviver história afora com o espectro da corrupção.

Há outros fatores em comum: na campanha eleitoral de 1955, Ademar era candidato, contra dentre outros Juscelino Kubitsheck. Num panfleto intitulado "quem fez mais pelo país?" afirmava ter feito 18 mil leitos hospitalares, enquanto Juscelino apenas 60. Perdeu a eleição, como todos sabemos, mas já se utilizava de algo como o “nunca antes neste país”, abusado por Lula.

Como ocorre com Lula, havia um séquito de artistas a defender Ademar. Até humoristas, como Alvarenga e Ranchinho, num raro caso de humor "a favor", com seu refrão: "Ademá, Ademá, é mió não faz má!".
O caso mais famoso foi a marchinha "Caixinha do Ademar", de Herivelto Martins e Benedito Lacerda, interpretada por Nelson Gonçalves - gente de peso à época e exaltados até hoje. Dizia a marchinha:

"Deixa falar toda essa gente maldizente/ Deixa quem quiser falar/ Essa gente não tem o que fazer (...)/ Enquanto eles engordam tubarões/ A caixinha defende o bem estar de milhões."

Estes artistas tinham contrato com o partido de Ademar, tudo muito velado. Assim como hoje vários jornalistas da internet, ou mesmo da imprensa escrita possuem ligações com o petismo, a maioria via dinheiro de estatal.

As ligações e simpatias da imprensa eram fortes, como hoje é com Lula. Ademar foi o fundador da rádio Bandeirantes, depois vendida a seu genro, João Saad. Cultivava amizade com Assis Chateaubriand e dispunha de espaços generosos nas publicações dos Associados, inclusive no Cruzeiro. Pouco se consegue, daquela época, algum texto que o acuse, salvo a cruzada de Paulo Duarte, jornalista que se pautava por denunciar as práticas ademaristas. Ainda assim, Ademar afirmou certa vez: "Insisto em dizer que a pior corrupção é essa que anda aí em certa parte da imprensa." Já vimos esta frase na voz de Lula, que acusa de golpista a imprensa que lhe é crítica.

A linha de defesa de Lula ante à torrente de acusações costuma começar com um silêncio sepulcral. Ele se defende depois de assentada a poeira, já instruído inclusive por marqueteiros. Gente que parece ter lido os autos de defesa dos processos que Ademar sofreu.
Afinal, Ademar de Barros inaugurou, ou pelo menos consolidou a linha de defesa do "todo mundo faz", aliada à perseguição política. Num discurso em que se defendia, chegou a dizer que Caxias fora acusado de roubar cavalos do exército e Campos Sales de roubar um colar.

Muito representativa é a peça em que seu advogado de defesa - Oscar Pedroso Horta - pede um habeas corpus, onde reconhece a oratória "desabusada e impolida" de seu cliente (e não é de Lula que estava falando!), mas referenda que apesar da origem quatrocentona, Ademar representaria "a ebulição do presente desordenado, dinâmico e criador, em contraste com o espírito contemplativo e desdenhoso dos quais ainda divagam sob a sombra dos cafezais, cada ano menos produtivos".
As acusações de corrupção não passariam de intriga das elites, das quais paradoxalmente ele fazia parte. Alguma semelhança com Lula?

Outra semelhança se vê nos partidos: O partido de Ademar, o PSP tinha sua máquina clientelista, muito bem azeitada, inclusive cooptando formadores de opinião. Poderíamos falar sem exageros em "Pessepismo", como hoje falamos em "Petismo". Havia também um "Ademarismo", conceito mais amplo, que representava um estilo mais pessoal, voltado às massas trabalhadoras - nos mesmos moldes do "Lulismo" de hoje.

"O fato é que o carisma de Ademar constituía do principal fator de identificação de seu partido, ao passo que o PSP funcionava como um sustentáculo organizacional sem o qual o apelo Ademarista correria o risco de se diluir." (1)

É forçoso o paralelo entre este arranjo e o atual entre Lula e o PT.

E eis que topamos no noticiário com outro episódio de corrupção na era Lula que remete diretamente a Ademar de Barros.

Antes, voltemos no tempo, a 1969, com Ademar já falecido. Na época, a organização VAR-Palmares, que lutava contra a ditadura militar, furtou um cofre de sua casa. Nele diziam ter encontrado o equivalente hoje a 15 milhões de dólares. Consta que o cérebro por trás desta ação foi uma militante do grupo, de nome Dilma Roussef.
O tal cofre era guardado por Ana Benchimol, amante de Ademar, conhecida pelo codinome de Dr Rui. Apurou-se que havia mais cofres, e que Ana sabia de todos eles. A guerrilha da VAR-Palmares se arvorou ao direito do roubo por considerar que aquela "caixinha", outrora defendida em música, tinha dinheiro do povo. Dilma parece se revoltar menos com as caixinhas de hoje.

Lula defendeu que o Mensalão não passou de uma "caixinha". Com a prisão de Rosemary de Noronha, escancarou-se que em São Paulo Lula operava a sua caixinha pessoal. Tem chumbo grosso vindo aí, com escutas telefônicas, envolvimentos de governadores. Nada de muita monta, é bem menos do que movimentou a Delta.

Rosemary de Noronha, enfim descoberta na Operação Porto Seguro da Polícia Federal, tinha em sua caixinha um nada se comparado à Ana Benchimol.
É apenas a mostra que este governo do PT nada mais é que a repetição, com toques de mediocridade, do que de pior já tivemos em nossa política. Não tem envergadura nem para ser chamado de neoademarismo.

 

(1) Cotta, Luíza Cristina Villaméa, in "Adhemar de Barros (1901-1969): a origem do rouba mas faz", dissertação de mestrado apresentada na FFCLCH/USP, 2008