segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Três Porquinhos e o Leopardo

Ao ver os três indicados para a Equipe Econômica, parece estranho, mas veio um deja vú: por esta época, nas semanas que antecederam sua ascensão ao cargo quatro anos atrás, Dilma sacou da fábula dos Três Porquinhos para se referir aos seus tenentes da transição: Antônio Palocci, José Eduardo Dutra e José Eduardo Cardozo. Seis meses depois só Cardozo ainda se mantinha em combate - ainda que fazendo suas porquices no Ministério da Justiça. Dutra virou um aspone muito bem remunerado na Petrobrás em reconhecimento às porcarias prestadas na primeira campanha de Dilma como presidente do PT. E Palocci... bem, Palocci foi tratar de multiplicar seu patrimônio.
Os tempos atuais são mais bicudos. A candidata que alertou que os tucanos quebraram três vezes o país e que Aécio traria arrocho, juros altos e desemprego ficou na foto das urnas eletrônicas no fim de outubro. 
Mas, por outro lado, a candidata que vociferava que daria plena liberdade às investigações na Petrobrás - como se tivesse este poder... também ficou na foto. Em muitos aspectos este governo é uma continuação. Apesar de Kátia Abreu na Agricultura, Gilberto Carvalho irá cuidar das questões indígenas, além de continuar cuidando de ser os olhos de Lula no Planalto. O PMDB continuará com alguns cargos-chave nas estatais. Não há nem sinal de se diminuir o número de cadeiras ocupadas neste ministério sucupirense.
Depois de doze anos de lulopetismo, essa manobra na indicação, principalmente de Joaquim Levy, cheira mais a instinto de sobrevivência que a plano de governo. Dilma jamais os chamará de "porquinhos" ainda que tenha vontade disso no caso de Alexandre Tombini, que continua no Banco Central. O bicho da vez nem é o Lobo, mas quase: trata-se do Leopardo.
Filme basilar na cinematografia, "O Leopardo", de Luchino Visconti, conta a história do príncipe das Duas Sicílias que tenta resistir ao processo de unificação da Itália. Não, eu não direi da famosa epígrafe do filme, a que diz que "as coisas precisam mudar para que continuem na mesma". Mas sim de um diálogo entre o Príncipe e um enviado do novo regime. Ele diz ao Príncipe: "Este estado de coisas não vai durar; a nossa administração, nova, ágil, moderna, mudará tudo”. Ao que o Príncipe responde:“Tudo isso, pensava, não deveria poder durar; mas vai durar, sempre; o sempre humano, é claro, um século, dois séculos…; e depois será diferente, porém pior. Nós fomos os leopardos e os leões; os que vão nos substituir serão pequenos chacais, hienas; e todos, leopardos, chacais e hienas continuaremos a crer que somos o sal da terra”.
Dilma nem o PT seriam tão densos, mas são igualmente movidos por puro orgulho, sede de poder e desprezo por tudo e todos que não comungam de seu credo. Longe deles enxergar qualquer espírito de tempo para além de suas ambições.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Eu preciso de um Estado

 Podemos começar com um dos tópicos do "Manifesto Comunista", do Marx:

“A luta do proletariado contra a burguesia embora não seja na essência uma luta nacional, reveste-se contudo dessa forma nos primeiros tempos. E natural que o proletariado de cada pais deva, antes de tudo, liquidar sua própria burguesia.

Beleza. Temos um modelo que para dar certo necessita da destruição de uma classe social. Pelo termo "burguês" entende-se que se trata de um vendedor de mercadorias - os "burgos" eram grandes feiras para onde afluíam grande quantidade de gente. Aqueles que lá já estavam montando suas barracas eram os burgueses, a rigor uns feirantes. Tá bom que Marx tivesse dado uma acochambrada no termo, esticando-o para definir os donos dos meios de produção.
De maneira que "burguês" definiria tanto o seu Hiroshi, dono da barraca de pastel que emprega uma meia dúzia de gente, como o Bill Gates. A rigor, qualquer um que ousasse possuir alguma coisa seria um burguês. Se o sujeito tem uma casa, ele é um burguês. Se ele tem um carro, por suposto, é um burguês. Mas se ele quiser ter uma moto para fazer trilha no fim-de-semana, ele é mais burguês ainda, e pode ser que segundo o julgamento "vermelho" mereça mais ainda a morte.

Eu sou médico. Eu não fabrico produtos, nem sou comerciante. Então não devo ser burguês, né?
Por outro lado, o conceito de "mais-valia" valesse, não se aplicaria a mim, pois minha força de trabalho é empregada na promoção da saúde, e vivem dizendo por aí que a saúde das pessoas não tem preço. De maneira que pelo menos conceitualmente, minha força de trabalho não é explorada por ninguém. Então, salvo engano, eu julgo que não sou um proletário.
Mais que isso, olhem só que mimo este conceito, também no citado "Manifesto":

“Mas, o trabalho do proletário, o trabalho assalariado cria propriedade para o proletário? De nenhum modo.”

Então...
Eu sou assalariado. Tenho três empregos regidos pela CLT. Eu tenho - se me permitem - condições de ter propriedades. Uma bicicleta é uma propriedade. Um livro do Olavo de Carvalho é uma propriedade. Um IPhone é uma propriedade. Uma garrafa de Jack Daniel´s é uma propriedade. É bem bacana ter propriedades.
Deve ser mais bacana ainda ter fazendas de gado, aviões, Land Rovers e umas empresas. Perguntem ao filho do Lula como deve ser bom ter tudo isso.

Já passando dos quarenta, entendi que não deixarei herança para meus filhos. Para eles darei condições de uma formação universitária, cultural, moral e religiosa sólidas. É também para isso que trabalho. Para o Estado, eu deixo uma parte muito, mas muito substancial de meus rendimentos na forma de impostos retidos na fonte. Isso não me causa espécie desde que o Estado retorne para a sociedade o que me tomou em dinheiro. Fico bem feliz também ao considerar como minha propriedade um celular da hora, um livro novinho, um bourbon, esse laptop onde escrevo e uma ação de clube. Por que diacho eu tenho que ter vergonha de gostar disso?

Percebam que no parágrafo acima me defini como alguém que vai manter a classe social dos filhos os preparando para o mercado de trabalho através da educação; alguém que tem grande parte dos seus ganhos alijada aos impostos (não à mais-valia) e alguém que almeja ter como propriedades prioritariamente bens de consumo, e não bens de produção. Pois bem, antigamente se definia um sujeito assim como integrante da, ai ai, "Classe Média". É bem legal, me perdoem, ser da Classe Média.

Agora deixem-me citar essa passagem aqui, juro que será a última:

"Dinheiro como dádiva e dinheiro como empréstimo, era com perspectivas como essas que esperava atrair as massas. Donativos e empréstimos - resume-se nisso a ciência financeira do lúmpen proletariado (ou "lumpezinato"), tanto de alto como de baixo nível. Essas eram as únicas alavancas que o governante sabia movimentar. Nunca um pretendente especulou mais vulgarmente com a vulgaridade das massas."

Parece que estão falando do Bolsa Família? Parece que é um reaça falando do Lula? Não, é apenas Karl Marx falando de Luís Bonaparte, que restaurou a monarquia na França em... 1852! (no livro "18 Brumário")

Ocorre que a Esquerda descobriu a tempo que um dos (muitos) erros de Marx foi dizer que o trabalho do proletariado não cria propriedade. Cria SIM! E se o proletário tem propriedades e trabalha pra isso, pode ser que ele qualquer dia desses vire alguém de... Classe Média!!!

E quem sobra para ter os votos controlados? Os trabalhadores de sub-empregos, deseducados ao extremo, sem perspectivas, sem ideologia, que apenas sobrevivem, ou seja o lumpezinato.
Até algumas correntes trotskistas apontam para esta "brumarização" dos governos de esquerda, que por um lado exaltam que colocaram o proletariado na classe média, mas por outro demoniza esta mesma classe para justificar a manutenção do lumpezinato sob rédea curta, sob esmolas, sob controle, repetindo a política de Bonaparte execrada por... Karl Marx.

Eu preciso de um Estado que, para início de conversa não me odeie. Um Estado regulador dos serviços essenciais. Um Estado que possibilite que todos tenham propriedades. Um Estado que entenda que não é dono de nada e sim que tem legitimidade para gerir porque foi eleito pelos donos. Eu preciso de um Estado governado por gente decente, que tenha como sonho fazer o bem comum.

O PT já me mostrou que nunca fará este Estado.

Por isso eu voto Aécio 45.




sábado, 4 de outubro de 2014

O pirão nosso de cada dia

Eu estava num casamento que ocorria na igreja de São Judas, aquela perto da estação do metrô do mesmo nome em São Paulo. Trata-se de um templo respeitável, erguido seguindo o apelo popularíssimo do “santo das causas impossíveis”, cujas festas são muito concorridas. No aguardo da noiva, eis que ouço alguém comentar no banco de trás: “Puxa, o cara traiu Jesus e ainda merece uma Igreja dessa.” Meus impulsos de católico papa-hóstia, carola, reacionário, moralista se afloraram, mas me contive.
Pelamordedeus... não, herege, o cara que traiu Jesus só mereceu a forca pelas próprias mãos. Esse “Judas” que fez jus a toda aquela reverência era outro, chamado “Judas Tadeu”, diferenciando-se do “Judas Iscariotes” que vendeu Cristo por trinta dinheiros. Ao que parece os nomes eram meio raros naquele tempo. Na turma de Apóstolos de Jesus tínhamos dois chamados “Simão” – e neste caso em específico Jesus nos deu uma mão, chamando um deles de “Pedro”; dois com o nome de “Tiago” – curiosamente diferenciados pelas alcunhas de “Tiago Maior e Tiago Menor” (nunca entendi isso...) e finalmente os dois “Judas” – o Tadeu e o Iscariotes.
Enfim, a noiva entrou, foi uma bela cerimônia, etc e tal, mas eu nunca vi o rosto do sujeito que constatou o merecimento do traidor de Jesus. Ele, bem se diga, não estava revoltado com tal injustiça. O tom de seu comentário foi de constatação mesmo.

Vendo as denúncias de corrupção cada vez mais cabeludas nos jornais e vendo os resultados das pesquisas que apontam para mais um mandato de Dilma Roussef, lembrei-me da Copa do Mundo, e automaticamente do 7x1 e daí por extensão fui levado a Helmut Kohl.
Helmut Kohl foi primeiro-ministro da Alemanha, ainda da parte Ocidental, e que promoveu a reunificação das Alemanhas no fim da década de 80. Ele viu o muro de Berlim cair e conduziu o país a uma reunificação que parecia impossível. Foi um dos grandes homens do século 20.
Pois bem. Comprovou-se que o partido de Helmut Kohl recebera algo em torno de 600 mil dólares em doações ilegais para campanha eleitoral. Não se comprovou que Kohl soubesse destas doações. Não se comprovou que Kohl tenha se beneficiado pessoalmente deste dinheiro. Mas, ainda assim, por ser líder do partido envolvido no escândalo, derrubou-se o arquiteto da queda do Muro de Berlim sem dó nem piedade. O condutor de um dos fatos históricos mais relevantes da história do Mundo hoje não se elege nem para vereador na Alemanha.
É óbvio que isso não tem nada a ver com o 7x1. Mas é óbvio que tem.

Dilma Roussef vai ganhar nas urnas, de forma legítima, mais um mandato de presidente. Isso tem muito a ver com o fato de minha empregada ter sido inclusa no Bolsa Família, mesmo sendo registrada, recebendo cesta básica e vale-transporte. Ela chegou em casa ensinando minha esposa a conseguir tal benefício. Minha esposa tentou dizer que não teria direito pois trabalhava, assim como a nossa empregada, em um emprego registrado. Teve que ouvir que o dono do mercadinho da rua também iria receber o Bolsa Família, e que seria bom que ela se apressasse, pois podia ser que Dilma perdesse a eleição e “aquele viciado” cortasse o programa.

É só juntar as falas. Somos um povo que acha normal um apóstolo trair Jesus e merecer uma Igreja imensa. Devem achar que se pode trair um país e merecer o Palácio do Planalto. Somos um povo que acha que se pode sugar de uma empresa como a Petrobras que já esteve entre as maiores do mundo, até ao ponto de quebrá-la. E tudo isso pode, pois a corrupção existe desde que Adão comeu a maçã.
Um operário chegar à presidência derrubando preconceitos, numa realmente bela história de vida, tem salvo-conduto para arrotar contra as instituições republicanas.

Mas nós não demos essa liberdade apenas a Lula, nem a Dilma, nem ao PT. Essa libertinagem nós permitimos antes de tudo a nós mesmos. Somos o povo do “farinha pouca (ou muita), meu pirão primeiro”. Os alemães se envergonham daquele outrora considerado um estadista. Mas é porque se envergonhariam de si mesmos se tivessem sido pegos em igual delito. Os alemães se orgulham de sua seleção. Nós temos vergonha da nossa. Os alemães se orgulham de seu país. Nós não estamos nem aí pro nosso.


Até 2018...

segunda-feira, 2 de junho de 2014

O Fenômeno e o General Romano

  Sinceramente nem vem ao caso as motivações políticas de Ronaldo. Basta que tenha razão. Como discordar dele? As obras para a Copa estão prontas? Foram feitas com dinheiro privado, conforme Lula nos assegurou? Ele irá nadando para a África, conforme nos prometeu, caso a Copa fosse um malogro? Aliás, onde se alugam jumentos para que os torcedores possam chegar aos locais dos jogos? Ficaremos orgulhosos ou envergonhados com este evento?
  Ao que parece, Ronaldo apenas deixou de fingir que não enxergava. Foi premido pelo ronco das ruas. Melhor dizendo, pelo silêncio das ruas quando o assunto é empolgação com a Copa. A pátria não parece mais ser a de chuteiras. Calça as sandálias da sensatez, na qual chegou por puro desalento - mas este não é quase sempre o caminho para a sensatez?
  Na empolgação do mandato que superava a crise do Mensalão, o lulopetismo acenava com o "legado" da Copa, na forma de melhorias de infraestrutura urbana, sem contar o lucro de vários setores. Já se tem como certo que quanto ao setor de turismo, só vai ter lucro o receptivo. A indústria já prevê prejuízo e os serviços não ganharão como esperavam. A infraestrutura... bem, é "babaquice", como candidamente nos lembrou Lula.
 
  Uma das acepções da palavra "legado" vem da Roma antiga: referia-se a um posto militar de alta patente, equivalente a um general que na época comandava uma legião (legatus legionis). Certamente é uma previsão otimista, mas esta Copa talvez nos deixe este tipo de "legado". Pode ser que os brasileiros estejam colocando um torneio de futebol em seu devido lugar, sem que os grandes problemas e questões na nação fiquem em suspenso até que a bola pare.
  Espaço para anarquia vai sempre haver, mesmo que travestida de civilidade. Mas para isso temos a polícia, com legitimidade para garantir a todos, TODOS, os brasileiros seus direitos. Tanto o de se manifestar, quanto o de não se manifestar. Sem falar nos constitucionais direito à propriedade e o de ir e vir. Ainda que para isso tenha que lançar mão da firmeza e até, vá lá, da violência, mostrando a força das nossas instituições.
  Mas de um jeito ou de outro uma parte substancial da população que não se deixa levar pelo ufanismo e patriotada aproveita agora os holofotes do mundo para selar sua insatisfação. Pode ser que os petistas, que tiram proveito político até dos velórios de suas mães, apontem tal efeito como uma "prova do aumento da consciência crítica das massas" e estaria assim chancelada a "política para a educação" do PT.
  Se tal postura crítica representar o legado, ou seja, o norte, o "general" de nossas ações enquanto cidadãos, é possível afirmar que a Copa valeu. Anda bem.
 
  Até porque, mesmo depois de nos livrarmos da caixirola - aquele chocalho de capoeira que Carlinhos Brown tentou nos empurrar, outro legado sempre dirá muito destes tempos atuais: os nomes dos elefantes brancos erguidos em desertos futebolísticos, que de tão vexaminosos nem mereceram as tradicionais alcunhas. A eles não foi conferida a honra nem do clássico "Estádio", tampouco do brasileiríssimo "Campo". Sobrou-lhes o pretensioso e circense "Arena".

 

Bendito calor

 
"Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca".

Apocalipse 3:16

  Várias lições nos deu o ministro Joaquim Barbosa, que se aposentou do Supremo Tribunal Federal. A História vai registrar um tempo em que figurões da República foram presos por corrupção, a partir de um julgamento conduzido estritamente dentro dos ritos legais. Uma tarefa imensa que se incumbiu a Suprema Corte de uma democracia imatura. Pode ser que o país ainda não tenha se dado conta da dimensão do ocorrido, seja pela crônica falta de educação, seja pela igualmente crônica inépcia institucional que continua nos assolando malgrado o justo enjaulamento de Dirceu e comparsas.

  Há um ano várias cidades do país se sacudiam com os protestos de Junho. Nenhum nome colou para designar aquele período, o que nem é surpreendente. As lideranças da época já foram esquecidas, como os tais do Movimento Passe Livre que certamente se encontra adormecido em uma gaveta partidária pronto a ser colocado em prática quando a baderna interessar a mais uma manobra. Já nos esquecemos até do nome daquele moço com lábios bem proeminentes, líder de algum outro "coletivo". Da mesma forma, em breve nos esqueceremos deste menino, filho de um professor titular de medicina da USP, que lidera um bando que se diz sem-teto. Celebridades dignas de um BBB, pretensamente com mais conteúdo porém igualmente prenhes de espuma. 

  Por todo o país sobrou a grita contra a corrupção, mas pode ser que mesmo o manifestante mais empedernido sequer tenha cogitado escrever "mensaleiros na cadeia" em uma cartolina. O ronco das ruas foi "contra tudo de ruim que está aí desde o Brasil-colônia" e cá pra nós contra os vinte centavos de aumento no transporte público - sem contar a apelação fácil para os hospitais e escolas padrão-Fifa.

  O STF, ao contrário do que delirou Celso de Melo em seu voto aceitando os embargos infringentes, não foi diretamente pressionado. A postura de Joaquim Barbosa se anunciou desde que começou a dar indícios do que seria seu relatório, mesmo que tenha sido cobrado do contrário com as inacreditáveis alusões ao dever de gratidão por conta de sua nomeação pelo sinhozinho Lula.

  O por hora aposentado Joaquim Barbosa merece ser lembrado pela "ira santa e saúde civil". Por ter se entregue ao extremo calor revolucionário quando até poderia ter se deixado levar pela temperatura morna de um tribunal superior, confundida com temperança.

  Sua principal lição foi ter-nos mostrado que revoluções podem ser feitas não derrubando instituições, mas as fortalecendo. Que grandes paradigmas podem ser soterrados com as armas da democracia e do estado de direito. Que faz bem a uma sociedade quando alguém tem a coragem de abalar estruturas seculares registrando de cara limpa suas ações nos autos, e não cobrindo o rosto com uma máscara ninja. Nesta defesa implacável e na denúncia do cinismo regimental de alguns juízes vendidos residiu o calor de sua atuação - noves fora seu temperamento mercurial.

  Joaquim Barbosa sai do Supremo com a serenidade que só a força dos justos confere. Não precisa se intitular guerreiro, nem gritar palavras de ordem, tampouco cerrar e erguer os punhos numa desesperada caricatura.

  De erguidas bastam suas convicções, sua consciência e sua cabeça.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Lula e o Princípio de Pareto

"Há três tipos de mentiras: as mentiras, as mentiras deslavadas e as estatísticas"
Benjamin Disraeli
 
 
  Há um conceito em economia chamado "Princípio de Pareto", o qual postula que para muitos fenômenos 80% das consequências advém de 20% das causas. Trata-se de uma técnica estatística que auxilia na tomada de decisão. Grosso modo, por exemplo, se um comércio não pode ter todos os itens líderes de mercado em seu nicho, ele dispõe de 20% dos mais rentáveis que darão 80% do lucro. Este princípio tem vários desdobramentos, mas serve para nos mostrar o flagrante desequilíbrio entre causas e resultados. É uma eficaz ferramenta para definir prioridades na correção de defeitos. Seus desdobramentos naturais foram a chamada "Curva ABC" e o "Diagrama de Pareto". Enfim, a moral da história é o gestor saber que a maioria das perdas é devida à minoria das causas.
  Lula hoje deu uma entrevista, para variar em algum cafundó chique do mundo, para dizer de novo que o Mensalão não existiu. Disse que não vai discutir a decisão da Suprema Corte, que a história vai provar que tralalá, que o tempo se encarregará de trelelê, aquela conversinha de sempre. Chamou atenção o arremate: "O tempo vai se encarregar de mostrar que você teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica."
  É o tipo da frase que tem que ser lida mil vezes. Se o Mensalão não existiu, o correto seria que 100% da decisão do STF tenha sido política. Mas... se 20% da decisão foi de base jurídica, como reconhece o próprio Lula, conclui-se que base jurídica havia, donde o Mensalão existiu... De duas, uma: ou nosso douto ex-presidente aplicou o princípio de Pareto para reconhecer que uma decisão jurídica causou um estrago imenso na política do PT, ou se tratou de mais uma das muitas estatísticas eivadas da mais típica velhacaria deste que de tudo soube e tudo viu desde o começo.
  A boa notícia é que Lula já arregou para 20. Começa a achar que um quinto das barbaridades que a imprensa golpista publicava era verdade. Ou talvez reconheça que as nomeações petistas ao STF foram políticas e não jurídicas. Dos 11 ministros atuais, oito foram nomeados pelo petismo e apenas três por outros presidentes. Dá praticamente os 80/20 do já descrito Princípio. Temos como certa que a atuação de Lewandowski e Toffoli  foram pouco jurídicas para dizer o mínimo. Justiça seja feita a Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia e Luís Fux, também nomeados pelo PT.
  Sinceramente, o único voto nos moldes colocados por Lula foi o de Celso de Melo (indicado por Sarney) ao aceitar os embargos infringentes.
   Finalmente, analisando com cuidado as calculadamente distantes declarações de Lula sobre o Mensalão, temos que elas seguiram bem a sequência de Disraeli: primeiro uma mentira. Depois uma mentira deslavada. E agora uma estatística.


terça-feira, 1 de abril de 2014

Um bom dia para recomeçar

"Vossas Excelências tentaram passar o Primeiro de Abril com uma antecedência de 24 horas. (...) Mercê de Deus, está salva a democracia neste país!"
Doutel de Andrade
 
 
  Já passava da meia-noite do dia 31 de março de 1964 quando o deputado Doutel de Andrade, do PTB de Santa Catarina, fez um inflamado pronunciamento na tribuna da Câmara dos Deputados. Getulista e depois naturalmente janguista, ele tripudiava sobre a ameaça do golpe militar, que a rigor se deu no dia seguinte mesmo. Assim como Doutel, muitos concebiam um governo sanguinário como o de Getúlio Vargas - que matou, torturou, censurou e ceifou as liberdades mais que qualquer outro governo brasileiro, mas não admitiam outra ditadura.
  Até hoje se tem o período Vargas como redentor em nossa história, algo típico de um povo que não conhece a própria história. E tem-se a Ditadura Militar como nosso período mais negro. Ditaduras sempre são ruins, péssimas. Desnorteiam uma ou mais gerações. Minam as esperanças, bestificam um povo, mesmerizam nossas emoções. Hoje, exatos cinquenta anos depois do golpe de 64, é curioso perceber que não temos registrada a versão e razões dos vencedores - fato único numa historiografia de qualquer tempo, de qualquer nação. A história deste período, especialmente, foi e é interpretada pela dialética marxista dos perdedores. Daí o ranço revanchista que acompanha qualquer análise, revestido por isso de uma monocromática interpretação que não admite contestação sob pena de se considerar o contestador um adepto da coerção fardada.
  Por alguma razão, nas barbas da ditadura cresceram e se forjaram pela esquerda os departamentos de Ciências Humanas das grandes universidades, os quais ainda parecem viver naquela época. Cuidam de formar revolucionários com a faca ideológica nos dentes, e não de formar pensadores. Tais bases também reverteram na formação de gerações de estudantes do ensino fundamental e médio e estabeleceram convicções que fazem mal ao debate político no país.
  Sabemos quem foi Marx, Gramsci, Foucault. Não temos idéia de quem foram Mises, Hayek ou Ortega e Gasset. Stalin, Che Guevara, Mao Tse Tung e outros desta laia foram genocidas. Mas não é o que nos ensinam. Chegamos até o vestibular respondendo em provas de história aquilo que era a "verdade" para um tipo de corrente ideológica, que forneceu o caldo onde cresceu a convicção que ser de esquerda é ser legal e o resto é ditadura. Achamos que guerrilheiros como Dilma Roussef, José Dirceu e Genoíno estavam lutando pela democracia. Queriam na verdade outro totalitarismo, experimentado por frações da humanidade da forma mais cruel possível.
  Das muitas heranças que a Ditadura Militar nos legou, tenho que esta é a mais prejudicial - fora as vidas que se perderam. Esta herança formou uma geração de cidadãos pensos à esquerda, alçada à categoria de pensamento único. Determinou uma lavagem cerebral sem precedentes, que está na raiz desde a legislação que considera todo criminoso um coitadinho até as invasões de reitoria por filhinhos de papai que julgam estarem ali fazendo sua revolução.
  Os perdedores estão, enfim, no poder federal hoje. Deixarão como legado o mensalão, as pedras fundamentais inauguradas por Lula, o assistencialismo eleitoreiro levado às últimas potências, a Petrobrás em estado falimentar. Há os que seguem a corriola mesmo assim, alheios à realidade. Fecham os olhos para o ridículo da situação e se prestam cada vez mais a atos igualmente ridículos para justificar sua missão revolucionária.
 

  Este Blog sofreu um ataque da chamada MAV - Militância em Ambientes Virtuais. É um, para usar a nomenclatura deles, "coletivo" onde pessoas pagas com dinheiro público derrubam sites e blogs que não rezam por sua cartilha. É típico desta gente recrutar idiotas com cérebro lavado para intimidar opositores. Na Venezuela temos os Motoqueiros do Maduro, que matam mesmo. Tivemos os "tonton macoutes" no Haiti, altamente sanguinários. Aqui no Brasil, por enquanto, vamos de MAV mesmo.
  Por alguns dias eu não conseguia manejar o "Nova Trincheira", pois travava. Procurei gente que entende e me disseram que havia sido hackeado. Algumas mensagens ameaçadoras me fizeram parar, mais por preguiça que por medo. Neste tempo fora do ar, fiquei pensando que democracia é esta. As milícias da MAV são controladas por Franklin Martins e Gilberto Carvalho. O primeiro participou do sequestro ao embaixador americano, contado em "O que é isso, companheiro?". O segundo foi seminarista, ligado à Pastoral Operária. Gente idealista na juventude. Que cultivava o ideal de fazer valer sua vontade mesmo à custa de intimidação alheia.
  Meio século depois e a farsa se repete como farsa no Brasil. Já estamos vivendo a censura, a época das grandes obras superfaturadas com dinheiro público, a intimidação de contrários pela força.
  Este blog, que eu acreditava ser conhecido e tolerado apenas por amigos, ressurge hoje. Logo no dia em que lembramos uma parte de nossa história que preferíamos poder esquecer. Mas que nos é imposta diuturnamente na forma das mesmas práticas sub-reptícias daquele período. Não há tortura, mas há intolerância institucional. Não há "ame ou deixe-o" mas há "nunca antes neste país". Não há políticos cassados, mas há políticos comprados. Não há censura - direta - à imprensa, mas há coerção, como a que sofri.
  Enfim, os tempos são menos bicudos. Por enquanto, mercê de Deus e graças à vigilância de um contingente cada vez maior de vozes discordantes, a democracia está salva neste país. Voltemos à Trincheira para assumir nosso posto. Ao contrário de 50 anos atrás, a democracia assim nos permite.
  É um bom dia, sem dúvida, para recomeçar.