quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O "Petista de Churrasco"

"Sou reacionário. Reajo a tudo que não presta."
 
Nelson Rodrigues
 
 
Há um tipo que vem criando raízes entre nós: o "Petista de Churrasco".

 
E diante do mar de lama, cuja profundidade ainda parece estar em nossos joelhos, eles estão se multiplicando. Depois da debandada de gente como Hélio Bicudo, Chico de Oliveira, Plínio de Arruda Sampaio; depois que foram debandados Celso Daniel e Toninho, depois da discussão da guinada à direita ser tirada da categoria de heresia e da eclosão de Blogs e articulistas de oposição, mas principalmente depois da ação do STF condenando os mensaleiros, a categoria dos Petistas de Churrasco se faz necessária, mais do que nunca, para manter parte importante da força do Partido.
Com o turbilhão de informações, diárias, sobre a roubalheira, fica realmente difícil para a milícia paga da internet.
 
E o PT não se ajuda: os fatos novos vêm com pimenta, como o caso Rose, o que não deixa a questão se banalizar e dá mais munição aos "conspiradores", "reacionários", "fascistóides" e quetais. Resta então muito pouco aos petistas que insistem em sê-lo seja por vergonha de admitir o engodo, seja porque acham que não ser petista quer dizer necessariamente ser tucano ou ainda porque devotam a Lula adoração eterna e, convenhamos, se desfazer de um Deus é bastante complicado.
 
Resta levar o debate ao chão, como no jiu-jitsu. Esquivar-se dos argumentos do amigo, colega - o que em muitos momentos é se esquivar da realidade - e no último caso levantar a voz e ofender. O Petista de Churrasco não tem medo de estragar o evento, nem mesmo teme dar uns berros ou ironizar cheio de raiva o dono da casa, sugerindo sua desinformação ou adesão a algum sistema ditadorial de direita.
Na falta de argumentos, está sobrando apenas sentimentos.
A gente entende.
Muitos de nós já apostaram em Lula e no que julgávamos um projeto. Fosse só pela competência de continuar os programas tucanos trocando os nomes, e mais nada fazer de novo que prestasse a não ser inaugurar pedras fundamentais, ainda assim poderíamos estar no nível da competência administrativa.
O que o Petista de Churrasco não vai aceitar que se diga, e isso será uma facada pela frente, é que o PT é se converteu num partido de ladrões.
 
Por que não deixam Marcos Valério falar? Por que não ouvem Carlos Cachoeira? Quem não deve teme? Experimente perguntar estas três questões a um Petista de Churrasco e terá a festa estragada.
Os Petistas de Churrasco não têm medo de perder amigos, de fazer pesar o ambiente, de ofender. E não discutem desta forma necessariamente por serem boçais, mas por desespero. Querem ganhar no grito, ridicularizando o colega, que muitas vezes está com o filho pequeno no colo.
E o que fazemos? Nos calamos. Não por sermos necessariamente de direita, mas apenas por senso de ridículo.
E fica a impressão de maioria silenciosa, de oposição cidadã claudicante.
 
Não senhores. Aqui estamos, mas o nosso jeito é diferente. Se houve mensalão tucano, que sofra na letra fria da lei quem o fez. Se houve privataria, que se prenda quem a promoveu. Não temos ladrões de estimação.
Por termos percebido que um Estado que tudo dá, tudo pode tirar; por nos recusarmos a passar com uma utopia por cima de liberdades individuais; por reconhecermos Stálin, Hitler, Fidel, Mao, Mussolini, Pol Pot, como pragas da mesma natureza, só discrimináveis em sua virulência; e principalmente por ainda (ainda) vivermos numa democracia que nos dá o pleníssimo direito de achar o que bem entendermos, queiram nos desculpar: "nóis vamo" ali ver se a picanha já saiu.
 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O Dr. Rui do Lula


Comparar Lula a Ademar de Barros era um despropósito.
Ademar veio da elite, formou-se médico, deixou um legado de diversas obras, em mandatos de prefeito e governador, principalmente. Vários feitos, como a hidrelétrica de Ilha Solteira, a Rodovia Anchieta, a Polícia Rodoviária, o Hospital das Clínicas (que leva seu nome), o estádio do Pacaembu e mais uma leva.
Muitos deles inclusive já não existem, como a Rodoviária da Praça Roosevelt.

Mas um feito, melhor dizendo, um lema, um slogan, que ele mesmo levou a sério, ainda ressoa: o "rouba mas faz", com o qual chegou a estampar uma de suas inúmeras campanhas.
Lula mais disse que fez do que propriamente fez. Seu legado é sua jornada pessoal, deveras impressionante. Os Ademaristas declinavam as inaugurações com o peito cheio. Os Lulistas saúdam sua origem, sua esperteza, sua picardia.
Em comum com os Ademaristas, os Lulistas estão cada vez mais fadados a conviver história afora com o espectro da corrupção.

Há outros fatores em comum: na campanha eleitoral de 1955, Ademar era candidato, contra dentre outros Juscelino Kubitsheck. Num panfleto intitulado "quem fez mais pelo país?" afirmava ter feito 18 mil leitos hospitalares, enquanto Juscelino apenas 60. Perdeu a eleição, como todos sabemos, mas já se utilizava de algo como o “nunca antes neste país”, abusado por Lula.

Como ocorre com Lula, havia um séquito de artistas a defender Ademar. Até humoristas, como Alvarenga e Ranchinho, num raro caso de humor "a favor", com seu refrão: "Ademá, Ademá, é mió não faz má!".
O caso mais famoso foi a marchinha "Caixinha do Ademar", de Herivelto Martins e Benedito Lacerda, interpretada por Nelson Gonçalves - gente de peso à época e exaltados até hoje. Dizia a marchinha:

"Deixa falar toda essa gente maldizente/ Deixa quem quiser falar/ Essa gente não tem o que fazer (...)/ Enquanto eles engordam tubarões/ A caixinha defende o bem estar de milhões."

Estes artistas tinham contrato com o partido de Ademar, tudo muito velado. Assim como hoje vários jornalistas da internet, ou mesmo da imprensa escrita possuem ligações com o petismo, a maioria via dinheiro de estatal.

As ligações e simpatias da imprensa eram fortes, como hoje é com Lula. Ademar foi o fundador da rádio Bandeirantes, depois vendida a seu genro, João Saad. Cultivava amizade com Assis Chateaubriand e dispunha de espaços generosos nas publicações dos Associados, inclusive no Cruzeiro. Pouco se consegue, daquela época, algum texto que o acuse, salvo a cruzada de Paulo Duarte, jornalista que se pautava por denunciar as práticas ademaristas. Ainda assim, Ademar afirmou certa vez: "Insisto em dizer que a pior corrupção é essa que anda aí em certa parte da imprensa." Já vimos esta frase na voz de Lula, que acusa de golpista a imprensa que lhe é crítica.

A linha de defesa de Lula ante à torrente de acusações costuma começar com um silêncio sepulcral. Ele se defende depois de assentada a poeira, já instruído inclusive por marqueteiros. Gente que parece ter lido os autos de defesa dos processos que Ademar sofreu.
Afinal, Ademar de Barros inaugurou, ou pelo menos consolidou a linha de defesa do "todo mundo faz", aliada à perseguição política. Num discurso em que se defendia, chegou a dizer que Caxias fora acusado de roubar cavalos do exército e Campos Sales de roubar um colar.

Muito representativa é a peça em que seu advogado de defesa - Oscar Pedroso Horta - pede um habeas corpus, onde reconhece a oratória "desabusada e impolida" de seu cliente (e não é de Lula que estava falando!), mas referenda que apesar da origem quatrocentona, Ademar representaria "a ebulição do presente desordenado, dinâmico e criador, em contraste com o espírito contemplativo e desdenhoso dos quais ainda divagam sob a sombra dos cafezais, cada ano menos produtivos".
As acusações de corrupção não passariam de intriga das elites, das quais paradoxalmente ele fazia parte. Alguma semelhança com Lula?

Outra semelhança se vê nos partidos: O partido de Ademar, o PSP tinha sua máquina clientelista, muito bem azeitada, inclusive cooptando formadores de opinião. Poderíamos falar sem exageros em "Pessepismo", como hoje falamos em "Petismo". Havia também um "Ademarismo", conceito mais amplo, que representava um estilo mais pessoal, voltado às massas trabalhadoras - nos mesmos moldes do "Lulismo" de hoje.

"O fato é que o carisma de Ademar constituía do principal fator de identificação de seu partido, ao passo que o PSP funcionava como um sustentáculo organizacional sem o qual o apelo Ademarista correria o risco de se diluir." (1)

É forçoso o paralelo entre este arranjo e o atual entre Lula e o PT.

E eis que topamos no noticiário com outro episódio de corrupção na era Lula que remete diretamente a Ademar de Barros.

Antes, voltemos no tempo, a 1969, com Ademar já falecido. Na época, a organização VAR-Palmares, que lutava contra a ditadura militar, furtou um cofre de sua casa. Nele diziam ter encontrado o equivalente hoje a 15 milhões de dólares. Consta que o cérebro por trás desta ação foi uma militante do grupo, de nome Dilma Roussef.
O tal cofre era guardado por Ana Benchimol, amante de Ademar, conhecida pelo codinome de Dr Rui. Apurou-se que havia mais cofres, e que Ana sabia de todos eles. A guerrilha da VAR-Palmares se arvorou ao direito do roubo por considerar que aquela "caixinha", outrora defendida em música, tinha dinheiro do povo. Dilma parece se revoltar menos com as caixinhas de hoje.

Lula defendeu que o Mensalão não passou de uma "caixinha". Com a prisão de Rosemary de Noronha, escancarou-se que em São Paulo Lula operava a sua caixinha pessoal. Tem chumbo grosso vindo aí, com escutas telefônicas, envolvimentos de governadores. Nada de muita monta, é bem menos do que movimentou a Delta.

Rosemary de Noronha, enfim descoberta na Operação Porto Seguro da Polícia Federal, tinha em sua caixinha um nada se comparado à Ana Benchimol.
É apenas a mostra que este governo do PT nada mais é que a repetição, com toques de mediocridade, do que de pior já tivemos em nossa política. Não tem envergadura nem para ser chamado de neoademarismo.

 

(1) Cotta, Luíza Cristina Villaméa, in "Adhemar de Barros (1901-1969): a origem do rouba mas faz", dissertação de mestrado apresentada na FFCLCH/USP, 2008

 



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Carta ao Ministro Ricardo Lewandowski

Prezado Ministro,

Quando começava minha instrução de oficial médico da Marinha do Brasil, o Comandante que ministrava a primeira aula nos fez ler um texto que descrevia o último dia de trabalho de um marinheiro antes da aposentadoria. Havia uma ponta de melancolia e outra de glória naquele desfecho de carreira. E muita dignidade. O professor nos lembrava que naquele momento nós começávamos a construir nosso último dia. E nos perguntava, "o que vocês querem ouvir no dia de sua despedida?".

Voltei à vida civil, mas esta aula ainda me vem quando começo qualquer projeto. Modéstia à parte lhe adianto, Ministro, que minha despedida se dará, a depender do que faço hoje, com uma ponta de melancolia, sabe-se lá se com outra de glória, mas certamente será revestida da mais cristalina dignidade.

E a sua despedida do STF? Como será? O que lhe dirão? O que terão vontade mas não lhe dirão? O senhor já parou para pensar nisso? César Peluso já se despediu há poucos dias e pode-se dizer que lutou até seu último minuto pela preservação da dignidade da Casa e por extensão da dele.
Qual seria vossa luta, Senhor Ricardo Lewandowski? Exatamente quais são vossas bandeiras? Em nome de quem se dão vossos arroubos verbais, o raciocínio circular, a leitura morosa, arrastada de seus votos, os quais todos sabemos quais serão desde que Vossa Excelência bateu o recorde de demora para a entrega da revisão do relatório do Ministro Joaquim Barbosa?

Aliás, o senhor já pensou como será a despedida de Joaquim Barbosa?

Talvez fosse didático o senhor se situar acerca de vosso cargo, ainda que ele vos tenha caído no colo pela prosaica intervenção de dona Marisa Letícia, que conhecia vossa mãe. Essas coisas são do jogo, Ministro, não precisa se envergonhar.
Mas quem sabe se eu vos dissesse que cada ato seu pode contribuir, neste momento, mais do que o de qualquer brasileiro, para mudar o que chamamos de "justiça" neste país? Também acho que o filho da vizinha de dona Marisa tenha chegado longe demais, até porque ele vem se comportando como filho da vizinha e não como Ministro da Suprema Corte. Mas não seria a hora de começar a pensar no dia em que deixará de ser Ministro e voltará a ser apenas o filho da vizinha?

Por causa de gente como o Senhor, a Justiça do Brasil será a última das instituições a se erguer. Por causa de gente como o Senhor, a frase "procure os seus direitos" é sinônimo de escárnio na boca de criminosos.

Não, Ministro Lewandowski, nós não achamos que o senhor esteja sendo esperto. Os estratagemas verbais e de construção de texto dos quais Vossa Excelência lança mão com o único fim de tornar interminável a leitura já são de conhecimento de todos. O senhor escreve mal, porque a sutileza é mister dos mestres. Sua argumentação soluçante pode ser facilmente detectada não apenas por bacharéis em direito, mas por quem é alfabetizado.
Saiba que apesar de seus esforços este julgamento terá fim um dia. O senhor terá que ler para um país inteiro o seu voto absolvendo seus credores José Genoíno e José Dirceu. Mas que esse dia chegue logo.

Ministro, se pudéssemos rogaríamos a Dona Marisa que lhe pedisse mais pressa na leitura dos votos. O conteúdo já sabemos, o desfecho do julgamento já se anunciou, e sua postura de advogado de defesa, vendido, lacaio, gatuno já é de amplo conhecimento de todos.
Podemos acabar mais cedo com isso. Ao invés de cem rodeios, por gentileza, dê apenas dez.

E pode ser que o Senhor consiga, em seu último dia, se equiparar pelo menos na ponta de melancolia ao Marinheiro da história, um marujo raso, anônimo, que durante toda uma vida nada mais teve para entregar à Pátria do que sua dignidade.

domingo, 2 de setembro de 2012

O Sermão do Bom Ladrão

O presidente do STF, Ayres Brito, ao condenar João Paulo Cunha lembrou a célebre frase do Padre Vieira que resume nossa colonização e explica como chegamos até aqui: "Os Governadores Gerais chegam pobres às Índias ricas e saem ricos das Índias pobres."
Este adágio foi retirado do "Sermão do Bom Ladrão", proferido em 1655, na Igreja da Misericórdia de Lisboa, perante D. João IV e sua corte. Pleno do estilo barroco e sob os ideais de São Tomás de Aquino, o sermão já advertia:

 "Não só são ladrões os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos."

Pondera, citando Diógenes:

"Quantas vezes se viu em Roma a enforcar o ladrão por ter roubado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo, um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província?"

E arremata com Sêneca:

"Se o rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome."

Apesar da condenação de João Paulo, este julgamento ainda deve à história. Marcos Valério ainda está solto, destruindo provas ou as guardando para momentos propícios. Roberto Jefferson foi arrolado apenas como réu mesmo tendo sido a principal testemunha e Silvinho "Land Rover" Pereira devolveu o carro, prestou serviços comunitários e continuou calado. A nenhum deles foi oferecida a delação premiada, nem a Delúbio Soares - se bem que nesse caso ele lançaria uma cortina de fumaça, ladrão de carneiros que é. O grosso do esquema ficou descrito nas páginas dos jornais e no relatório da CPI dos Correios. A atuação do Ministério Público foi tímida, inclusive por aceitar que Lula não estava envolvido. Aliás, sobre este ponto, o Padre Vieira já adivinhava em seu Sermão:

"Principes tui socii rurum: os teus príncipes são companheiros dos ladrões. E por que? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem(...)."

De agora em diante a imprensa vendida, ou simplesmente com medo da patrulha, vai ter que tirar o "suposto" da frente para se referir ao Mensalão. Não cola mais dizer que não era pagamento mensal, nem que era para caixa dois. O Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia de que houve um esquema de corrupção que sangrou dinheiro público e fez políticos do partido que se arvorava paladino da ética ficarem mais ricos. Até dá para entender a linha de defesa do "todo mundo faz", mas o que está provado em autos é o esquema do PT.
Mais do que isso, o que está provado em autos é o embuste que se mostrou este partido, a enganação de quem se vendia como pleno de lisura e o que se viu foi um partido que apenas se vendia.

Que o debate se agigante. Deixe do cinismo do "todo mundo rouba" e passe a versar sobre projetos, suas execuções e pela ética. Se depois de Stálin, Pol Pot, Mao tse-Tung e Fidel; se depois da queda do Muro de Berlim o Brasil insistia ainda em considerar a "esquerda" como o único caminho respeitável, que agora pelo menos acalente alternativas.

Fica a sugestão de uma: Adam Smith, muito mais xingado que lido por aqui:

"Pouco mais é necessário para erguer um Estado, da mais primitiva barbárie até o mais alto grau de opulência, além de paz, de baixos impostos e de boa administração da justiça: todo o resto corre por conta do curso natural das coisas."







segunda-feira, 13 de agosto de 2012

"Vendo a liberdade como Judas vendeu Jesus."

O autor da frase do título era um advogado provisionado, em tempos de uma São Paulo ainda com foros de cidadezinha. Luís Gama frequentou como ouvinte o curso de direito no Largo de São Francisco e saiu antes da conclusão. Naqueles tempos, podia-se atuar como advogado em primeira instância mesmo sem concluir a formação, bastando autorização da equivalente à OAB da época. Eram os chamados "provisionados" ou "rábulas", típicos de um tempo de país em formação, que dispunha de poucos profissionais de nível superior.
Pois bem. Luís Gama era negro. Viveu na época do Segundo Reinado e, para resumir, foi vendido por seu pai como escravo. Conseguiu a liberdade, alfabetizou-se no final da adolescência e se tornou um dos maiores defensores de outros negros, encontrando caminhos legais de retirá-los da condição de escravos. Vale a pena conferir sua história.

Gama foi até onde sua inteligência, perseverança e talentos permitiram. Usou destas armas para sair de uma condição de vendido pelo pai para a de advogado de respeito. Não precisou se valer de cotas.
Quase dois séculos depois, e o Brasil ainda não aprendeu a lidar com a escravidão. A atuação de Luís Gama só era possível porque fomos criando um arcabouço legal que nos permitiu singularmente abolir a escravidão aos poucos. A Lei Áurea, que tornaria o trabalho de Gama obsoleto, só foi promulgada sete anos após sua morte.

O regime de cotas raciais atesta a culpa que temos, ou que pelo menos deveríamos ter, pela escravidão. Vagas seriam reservadas para os que se declaram negros em universidades e postos de trabalho, e assim estaríamos curando uma chaga histórica.
A primeira distorção seria o que fazer com os estudantes brancos pobres, colegas dos negros nas salas de aula do ensino público. Mas ao que parece, já foi resolvida: foi aprovada a lei que garante 50% das vagas para oriundos de escolas públicas.
O tempo que se gasta pensando em soluções como essa é maior com o gasto em planejamento de melhorias na educação. Mas dizer isso é redundante. Há outros aspectos envolvidos, e um deles foi desnudado com a notícia de que o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e o IME (Instituto Militar de Engenharia) simplesmente não darão bola para nenhum tipo de cota. E o Governo Federal disse que... tudo bem...

Já li que o ITA pode tomar tal postura porque se trata de uma instituição historicamente meritocrata. Uai, e as Universidades Federais não são? Outros justificam que o ITA faz parte da Aeronáutica e não do Ministério da Educação, e a lei alcança apenas os vinculados ao MEC. Ah, tá...
De duas as duas: o Governo acha mesmo que esse troço de cota contribui para baixar o nível dos cursos, e no fundo tem vergonha de ter sancionado a lei, já que sancionou por medo da grita dos patrulheiros.

O que incomoda neste tipo de lei, é a distorção do conceito de justiça. Se "justiça social" fosse algo justo, se chamaria apenas "justiça". Deixar um branco que é mais competente (porque foi melhor preparado) de fora da universidade em detrimento de um negro, e alegar reparação por danos da escravidão não é justiça, é acerto de contas.
Limitar as chances de acesso à faculdade de um jovem cujo pai de classe média perdeu noites de sono para saber como pagaria a escola particular não redime as noites de sono perdidas pelo pai mais pobre por não conseguir pagar escola para o filho.
Dizer que vai levar muito tempo para que a escola pública fique decente, e até lá que se tenha as cotas, equivale a apoiar um julgamento sumário.
Quando alguém já entra com mais chance num vestibular porque se declarou negro, e não porque aproveitou a chance de estudar numa boa escola para se preparar melhor, o que se tem aí não é justiça, é privilégio.

A justiça tem que ser oferecida a todos, sem distinção nem de caráter. Assim como a liberdade aos escravos, como bem lembrou Luís Gama. A justiça não tem que ser simpática, boazinha, politicamente correta, ou, como queiram, "social".
A justiça tem que ser apenas justa.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Dinheiro tiveram, e muito

Vamos logo aos números:

- A Confederação Brasileira de Atletismo recebeu 26 milhões de reais no último ano. Destes, só da Caixa foram 16. O vento atrapalhou nossa medalha, se bem que ainda tem a Maurren Maggi...
- A natação recebeu 45 milhões de reais em três anos. Veio uma pratinha e um bronzezinho. Mas não tem uma equipe feminina decente. Não há nadadoras a serem treinadas com esse dinheiro todo?
- O judô recebeu da Infraero 7 milhões, pelo visto foi um bom custo-benefício.
- O tênis recebeu 17 milhões, juro que é verdade...
- Os atletas ficaram no Crystal Palace. Pelo que disseram, trata-se de uma instalação de primeiro mundo.

A chamada "lei Piva" foi aprovada por FHC em 2001 e mandava se destinar 2% da arrecadação das loterias para o COB. No geral, entretanto, o governo do PT pode bater no peito e dizer que nuncaantesnestepaiz se investiu tanto em esporte, e já se foram dois bilhões até hoje, desde 2003.

O ministério do Esporte foi dado por Lula, de aluguel, para o PC do B. A primeira resposta do partido foi alugar a UNE para o governo Lula. A segunda, foi iniciar uma sanha sem fim de desvios de recursos que até hoje esperam por esclarecimentos.
O primeiro ministro dos esportes da era petista foi Agnelo Queiroz. Saiu para se candidatar ao senado, mas sob acusação de ter recebido 150 mil de uma ONG chamada "Novo Horizonte", depois que esta recebeu um aporte de 1,6 milhões do ministério do Esporte.
Depois veio Orlando Silva Jr, ex-presidente da UNE, aquele que gastou 8 reais numa tapioca, usando cartão corporativo. Saiu do ministério por conta de denúncias que davam conta de desvios de 4 milhões de reais de uma programa chamado "Segundo Tempo". Chegou a ser acusado de receber dinheiro num envelope na garagem de seu prédio.
A roubalheira nas ONG´s do Esporte foi tamanha, que a presidente Dilma ordenou que todos os contratos com todas as ONG´s, de todas as áreas, fossem suspensos.
O atual ministro é Aldo Rebelo, também do Partido Comunista do Brasil. Ele teve uma atuação marcante na CPI que investigou a CBF. Mas este parece ter sido seu último ato em favor de uma investigação nos gastos com esporte...

Em qualquer cidade do interior do Brasil tem-se uma AABB, do Banco do Brasil com belas instalações esportivas. Há também uma rede do sistema SESI / Senai com muita estrutura, situada notadamente em periferias de grandes centros. Nada disso é usado como deveria.
A lei das diretrizes e bases da educação não obriga a prática de esportes no contra-turno do período escolar integral. Os paulofreiristas alegam que isso estimularia a competitividade... Vale lembrar que Arthur Zanetti, ouro nas argolas, foi descoberto pelo professor de educação física de seu colégio, que graças a Deus nunca lera Paulo Freire (assim como a maioria dos paulofreiristas).

A impressão é a de que caminhamos, mas falta muito. Sem querer defender quem se desculpa com o vento, é perda de tempo se preocupar com quem amarela.
O esporte no Brasil vai ficar mais decente e competitivo quando começarmos a nos preocupar com os vermelhos...

terça-feira, 24 de julho de 2012

A farra dos prescritos

 A ministra do TCU, Ana Arraes, considerou que a agência de Marcos Valério não deveria ter devolvido o dinheiro do desconto que sua agência ofereceu para fazer uma campanha do Banco do Brasil. A sentença saiu sexta-feira. Assim, se a campanha custou 10, mas a agência fez um desconto de 2 a campanha custou na verdade 8. Mas se do caixa saíram 10, por força de contrato a agência deveria ter devolvido 2. Não devolveu, e isso não foi considerado ilegal. Então na contabilidade do Banco consta que saiu 8. No caixa de Marcos Valério entrou 10. Para onde foram os outros 2? Bingo, para o Mensalão. Se isso não é crime, por extensão o Mensalão "corre o risco" de não ser considerado corrupção, pois a principal forma de, digamos, apropriação de recursos públicos que seriam futuramente distribuídos foi considerada legal.
Ana Arraes é mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Foi indicada em setembro do ano passado para o Tribunal de Contas. Na primeira entrevista como ministra já avisou "Vou ao TCU servir ao meu país (...)zelando pelos recursos públicos, mas também com o olhar da política." Na época ficou difícil entender esse "mas também com o olhar da política", ainda que se desconfiasse. Bem, dona Ana, já entendemos. Seu pai, Miguel Arraes, nome forte de combate à ditadura, deve estar com vergonha de ti.
Aliás, seu filho foi um dos envolvidos no chamado "Escândalo dos Precatórios". Faz tempo, foi em 1996. Ele escapou do STF, porém não pode exercer cargo de direção em empresa fiscalizada pelo Banco Central até dezembro deste ano. Mas pode ser governador.

O professor de matemática Delúbio Soares, que atualmente se diz corretor de imóveis, ainda detém o troféu de cínico do século ao dizer que o Mensalão não existiu porque os pagamentos não eram mensais. Agora prepara sua peça de defesa para assumir sozinho toda a história. A mesma estratégia da defesa do goleiro Bruno, que tentou jogar a culpa toda em Macarrão. Os promotores mineiros já se preparam para surrar impiedosamente a tese do atleta. Os juízes do STF, alguns deles, parecem se preparar para aceitar impiedosamente a tese do professor.

O ministro Ricardo Lewandowski na verdade não demorou a preparar sua revisão ao processo do Mensalão. Ele apenas esperou que os crimes prescrevessem. O cuidado tomado pelo STF foi exemplar em praticamente todos os momentos. Todo o processo está digitalizado há quatro anos. Houve uma seção em 2007 só para decidir que os réus fossem avisados por carta da abertura da ação penal. E Lewandowski demorou o tanto que demorou.
Os ministros começarão a votar em 30 de agosto. A partir desta data, ora vejam, um dos crimes que tipificam o Mensalão, o de formação de quadrilha, já será prescrito, caso os réus sejam condenados a penas mínimas. Em 03 de setembro o ministro Cezar Peluzo fará 70 anos e terá que abandonar o julgamento pois se aposentará compulsoriamente. Se contarmos Dias Toffoli, o STF terá assim 10 membros. O empate nas decisões favorece os réus.

O ministro José Antonio Dias Toffoli foi advogado do PT por muitos anos. Num destes períodos foi chefiado por José Dirceu, réu do processo. Sua namorada, Roberta Rangel, foi advogada de outro dos réus, Professor Luizinho. Toffoli levou bomba em dois concursos para juiz, nunca escreveu uma linha sobre a magistratura, mas com 42 anos foi nomeado Ministro da mais alta corte do país. Sua missão é não se sentir incomodado com os dados descritos acima e dar seu voto absolvedor. Nada se falou até agora sobre ele se considerar impedido de julgar. Só quem pode fazer isso é ele mesmo - no máximo pode haver uma contestação do Procurador Geral, mas até isso já foi descartado.

Todos os aqui citados estão dando duro para transformar o que poderia ser uma festa da democracia numa decepção. No fim do julgamento, que será eclipsado pelas eleições municipais, poucos serão os condenados, muitos serão os prescritos. Vai ficar a sensação de tentativa de golpe, de manobra da mídia golpista.

E na eleição presidencial de 2014, o fato "novo" será a presença de Eduardo Campos. Aquele dos precatórios, filho de Ana Arraes...

terça-feira, 19 de junho de 2012

A Interpol é imperialista!!!

O Ministério das Cidades foi criado por Lula, já no primeiro mandato. O primeiro a chefiar a pasta foi Olívio Dutra, que havia perdido a eleição de governador no Rio Grande do Sul. Foi o início da prática lulista de aquinhoar com ministérios companheiros que tomaram tunda nas urnas. Foi também a última vez que o PT esteve à frente do ministério. Dois anos depois ele seria entregue a Márcio Fortes, do PP, partido de Paulo Maluf. Conclui-se que o PP está no governo petista desde 2005, via ministério das Cidades, atualmente com Aguinaldo Ribeiro.
Não é de hoje, portanto, a aliança dos petistas com os pepistas. Não é de hoje que é algo esquisito - o fato de ser uma aliança antiga não a torna menos estranha, pelo menos numa primeira análise.

O PP é um partido cujas origens remontam ao PDS, que por sua vez é descendente direto da ARENA, partido que dava suporte à ditadura militar. O PDS começou a se esfacelar na sucessão do presidente João Figueiredo, quando José Sarney, então presidente da legenda, renunciou ao cargo a fim de apoiar Tancredo Neves. Uma turma grande do partido se desligou, para fundar o PFL, que depois viria a se chamar Democratas, ou DEM. O PDS foi perdendo força com o tempo, passando a contar com lideranças regionais, como Esperidião Amin e Paulo Maluf. Foi se fundindo a outros partidos e mudando de sigla, sendo chamado de PPR, PPB e finalmente PP, remontando ao antigo PP, que teve como quadros Magalhães Pinto, Milton Campos, Petrônio Portela e... Tancredo Neves.

A aliança PT-PP já dera suas caras na última eleição para prefeito, quando Paulo Maluf declarou seu apoio no segundo turno a Marta Suplicy. Foi um apoio meio constrangido de ambas as partes, no fim ofuscado pela derrapagem marqueteira de Marta ao sugerir no horário gratuito a homossexualidade de Gilberto Kassab. Mesmo quando Mário Negromonte foi defenestrado do Ministério das Cidades após reportagem da Veja, poucos pararam para contemplar o esbulho que representava esta aliança e o Ministério continuou com o PP.

O escândalo mesmo veio com a foto de Lula e Maluf congraçados num belo jardim, observados pelo o olhar servil de Fernando Haddad. A foto rendeu um minuto e meio no horário gratuito para o PT e rendeu a Maluf uma indicação para a Secretaria de Saneamento, dentro do dito ministério. Esta Secretaria tem como competência cuidar do esgoto. Estaria em boas mãos se o intuito fosse manter e até aumentar o esgoto a céu aberto.

Além das reações indignadas, é divertido ver a reação de alguns petistas exaltando Maluf. Falta ver a reação dos malufistas exaltando Lula, mas pelo menos até agora têm demonstrado louvável coerência e se mantido quietos. Do que entendemos, pouco importa os votos dos Malufistas. O cerne foi mesmo o tempo de TV.
Mas, e os esquerdistas "puros", ainda crédulos dos ideais petistas do tempo de sua fundação, no ABC? Para eles foi oferecida Erundina, que diante das novidades pode achar que é demais - como o PT achou que fosse demais ela integrar o governo de Itamar, motivando sua expulsão do partido. Se naquele tempo ela propusesse uma aliança com Maluf, ganharia a forca.

Mas para grande parte da militância tá valendo. Maluf passou a ser o cara. Sem essa de ser fichado na Interpol, tem um monte de gente que é. Além do mais, é questão de tempo para, como bem lembra o jornalista Sandro Vaia, alguém da blogosfera progressista aparecer para acusar a Interpol de ser um braço armado da repressão imperialista...

sábado, 16 de junho de 2012

A voz do Brasil

Eu trabalhava com resgates em julho de 2007. Mais precisamente no dia 17. Passava das dezenove horas quando recebemos um chamado para transferir um paciente psiquiátrico que se encontrava no Hospital do Jabaquara. Rumamos para o dito hospital com a sirene ligada.
Foi quando percebemos algo estranho: quanto mais próximos estávamos do hospital, mais os carros abriam caminho. Ostensivamente, alguns subindo nas calçadas, as motos parando os cruzamentos, os pedestres nos olhando com cara de aflitos. Dos bares as pessoas saíam para nos espiar, os marronzinhos da CET faziam gestos enfáticos para que passássemos mais rápido. Na entrada do hospital a segurança nos indicava com veemência o rumo da entrada de emergência, onde já nos esperava um séquito de profissionais. Na expressão de todos um grande assombro. Na cabine da ambulância não demos por nós naquela agitação. Por vezes gracejávamos por achar que nos confundiam. Quando paramos, mais surpresa: ligaram um holofote e todos acorreram, como se fôssemos estrelas. O colega médico perguntou com olhos arregalados: "Como está aquilo?". Não entendi lhufas: "Aquilo o quê?". Ele quase gritava: "O aeroporto!!!" Eu temi um linchamento mas perguntei fatidicamente: "Mas o que houve no aeroporto?". O holofote se apagou, o médico virou as costas e o séquito se dispersou em meio a um burburinho de decepção irritada.
Entrando no hospital pudemos ver na TV as imagens que nos tirariam o chão, do avião espatifado no prédio da TAM à cabeceira da pista de Congonhas. De volta à ambulância já com o paciente a ser transferido e saindo do hospital na condição de intrusos minutos depois da recepção de superstars, liguei o rádio por puro reflexo. Então tivemos a explicação de nossa alienação: assim como todos os cidadãos paulistanos e brasileiros que só dispunham da comunicação do rádio em seus veículos naquela hora, nós desligamos o som para não ter que ouvir a Voz do Brasil que seguia firme, ignorante do inferno que a cidade vivia.

Este programa longevo, já se vão mais de 70 anos desde que Getúlio Vargas colocou no ar o então "Programa Nacional", popularizou o ato de se desligar o rádio ou colocar um CD para tocar tão logo se fazem ouvir os acordes de "O Guarani". Mas ainda assim tem gente que o aprova. Saem em defesa dos matutos dos rincões que não têm acesso à notícias e que têm no programa o único meio para se informar. Devem pensar nos jecas, em suas choupanas rurais ouvindo um rádio chiento ligado a uma bateria de carro.
Pode ser desinformação minha, mas essa figura caipira não existe mais no Brasil. E cá pra nós, Getúlio não pensou em informar os jecas quando nos impôs o programa.
Há projetos propondo a flexibilização do horário da Voz do Brasil, de resto conseguida por liminares de algumas rádios. Acabar com esta excrescência ninguém propõe...

Em anos eleitorais, o rádio sofre outra violência, compartilhada com a TV, que é o Horário Eleitoral Gratuito. A parte mais interessante deste "Horário" se dá antes de sua veiculação, quando os partidos saem à praça em busca de minutos de programa e assim colocam almas, ideologias e convicções à venda. O PT acaba de entregar um cargo em um Ministério a um indicado de Paulo Maluf a fim de obter o apoio do PP e a ele se coligar. O objetivo foram os minutos a mais no "Horário" que tal união trará. Se não me engano, o cargo foi para o Ministério das Cidades, não tenho certeza mas isso tem pouca importância - não para mim, mas para o PT.
O PSDB também já envergonhara a militância ao fechar acordo com o PR (que se aboletou nas tetas do Ministério dos Transportes de Dilma) pelo mesmo motivo.

Nem a Voz do Brasil, nem o Horário Eleitoral Gratuito vão sumir. Eu sei.
Mas uma sugestão seria medir o Ibope do "Horário" na TV. Sério mesmo. Quem sabe assim, ao constatarem que uma parcela mínima da população assiste àquela infâmia, eles desistam de se vender por minutos. Quem sabe assim possam se vender apenas por trinta dinheiros. Ou talvez por menos...

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Então... o Marconi decepcionou

- Você viu o depoimento do Marconi?
- Vi por cima, ele matou a pau né?
- Foi igual ao do Agnelo...
- Esse pôs todo mundo no bolso também.
- Você não vê a gravidade disso? Foram dois depoimentos praticamente iguais! Imaginar que um Marconi se sairia tão vergonhosamente de seu depoimento quanto um Agnelo? Nunca! Será que todos são mesmo iguais?
- O que é que você chama de iguais, pelo amor de Deus? Como é que você queria que eles se defendessem? As perguntas eram parecidas, é natural que as respostas também fossem.
- Os dois se enrolaram em negócios de compra e venda de mansões. Os dois desafiaram a CPI com a quebra de seus sigilos. Poxa, a quebra do sigilo do Agnelo está pedida desde o fim do ano passado. Não houve um só lazarento daquela CPI para lembrá-lo disso.
- É provável que assim como a gente, eles não soubessem disso também.
- Como não sabiam? Foram é coniventes, isso sim! Palhaçada... E o Marconi perdeu a chance de se vingar do Lula, porque essa CPI foi uma invenção do Lula para derrubá-lo. Ele deveria ter contado mais daquele encontro em que falou a Lula sobre a existência do mensalão. Ele poderia ter falado mais sobre o Delubio.
- Delubio? De novo? Até quando isso? Rapaz, deixa o Delubio pra lá, isso são águas passadas. Chega, eu hein?
- Foi exatamente isso que o Marconi falou do encontro com Lula: que são águas passadas e não valia a pena comentar o assunto.
- Entendeu a jogada? O Marconi não mexe com Lula, nem com o seu Delubio, e o Lula não mexe com o nosso Marconi. Matou a pau!
- Meu Delubio, como assim, sai pra lá! Cara, eu nem sei mais o que é meu, o que é nosso...
- Mas eles sabem muito bem o que é deles, ah sabem!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Réquiem para uma palhaçada

Pensando bem, é melhor parar com essa CPI do Cachoeira. Depois dos depoimentos dos dois governadores, de Goiás e do DF, ambos blindados por seus partidos, ambos autorizando abrir seus sigilos bancários, ambos ilesos perante à platéia que os inquiria, ambos dignos dos mais rasgados elogios, é melhor parar por aqui. A única alternativa seria criar uma sub-CPI da Delta. Mas é mais fácil condenarem os mensaleiros, sem ironia.
Na CPI dos Correios vimos um estrago no país que estava em operação, num processo em que se destacavam gente aparentemente de bem, como Delcídio Amaral, ACM Nero, Osmar Serraglio, Eduardo Paes e um tal Demóstenes Torres. Houve um contundente relatório, de Serraglio, que virou livro vendido em bancas. De alguma forma o Brasil celebrava o fim daquela CPI, que culminará com o julgamento do Mensalão a se iniciar agora em Agosto.
Nesta CPI do Cachoeira, o angu parecia ter mais caroço. Houvesse empenho, bastaria que se puxasse o fio do denso novelo de corrupção da Delta.
Decepciona-se com o desenrolar desta CPI aquele que se esquece do seu motivo: foi urdida por Lula e Dirceu para desviar a atenção do julgamento do Mensalão e explodir com um governador do PSDB. Era só pra isso.
Aí deu tudo errado, e a estratégia justificou alcunhar Lula como "aloprado- mor".
Mas, depois que Agnelo nos brindou com sua fala, já se ouve os acordes da missa fúnebre. Ao declarar que pagou por sua mansão 400 mil, sendo que ela vale dez vezes mais, e desafiando as pessoas de bem com a abertura de seu sigilo bancário, poupando os sigilos de sua mãe e esposa, Agnelo escarnece, zomba, faz pouco do povo do Brasil. Sua atual casa foi comprada de Glauco Santos, dono de uma empresa que um tempo depois da compra do imóvel foi beneficiada por Agnelo, na época diretor da Anvisa. A mãe e esposa de Agnelo têm negócios com Glauco Santos. Mas Agnelo acha tudo normal.
Há não muito tempo, um presidente brasileiro foi escorraçado do cargo, dentre outras razões por comprar a Casa da Dinda com dinheiro nebuloso. Hoje isso não comove ninguém. Nem mesmo aquele presidente, que se encontra atualmente na tropa de choque do PT.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Então... com o PR não pode!

- Você soube da última do PSDB? Fechou acordo para ter apoio do PR na eleição de prefeito de São Paulo!
- Deve ser para aumentar o tempo na televisão. Quantos minutos ganharam?
- Um minuto e meio.
- Ótimo, tá valendo.
- Como assim? O PR é o partido que loteou o Ministério dos Transportes, com Alfredo Nascimento liderando a corja! Tem gente como Valdemar da Costa Neto, um dos mentores do Mensalão... Tudo isso por causa de 90 segundos?
- O PR é o partido de Tiririca, ele pode puxar votos.
- Mas que beleza, hein? Serra dependendo de Tiririca para ter votos...
- Não foi isso que eu disse, não coloque palavras na minha boca.
- Não é certo, não é honesto, não é coerente, isso mancha a história do partido. Se Covas fosse vivo...
- Covas aceitou a aliança com o PFL, depois DEM. Na época, o PFL era um PR da vida.
- Aceitou nada, o vice dele foi o Alckmin. E o PFL tinha bons quadros, alguns migraram para o PSDB. Tinha uma coerência nesta aliança. Mas com o PR? Já pensou um Secretário Municipal dos Transportes do PR?
- Olha, se tem uma pasta que eles não vão querer será essa. Muito pepino, Deus me livre.
- Tem razão, é muito visada, não dá para roubar tanto né?
- Você fala de roubo, de Mensalão, mas está provado que o Azeredo, do PSDB fez um Mensalão em Minas.
- Aquilo era caixa dois! Mensalão nada!
- Uia, é a mesma linha de defesa do PT. Tá virando casaca?

terça-feira, 5 de junho de 2012

Ricardo Lewandowski

O destino armou para Enrique Ricardo Lewandowski. Dizem as más línguas que ele foi indicado para o Supremo por dona Marisa, primeira-dama à época. Seria parente de uma amiga, ou algo que o valha. Examinando seu currículo, percebe-se nitidamente sua aptidão técnica para o cargo. Causa estranheza o fato do douto ministro estar estudando o processo do Mensalão até agora, pelo menos sob o ponto de vista de seu saber jurídico. Como revisor do processo, trocando em miúdos, ele tem como função averiguar se os trâmites foram seguidos certinho, e assim não vai haver advogado de defesa tentando suspender o julgamento, não porque ali se forja uma potencial injustiça, mas porque há um acórdão de 1954 que prevê que sessões não podem ser feitas em dias de chuva, e por isso, só por isso, a integridade de seu cliente está em risco e o julgamento merece ser suspenso. Diante do que temos como advogados de defesa, o melhor mesmo é uma revisão bem revisadinha.
Mas já está demorando demais. Essa demora tende a fazer com que alguns crimes da quadrilha prescrevam. Tende também a fazer com que se aposente um ou outro ministro indicado por FHC, o filho do demo, e assim sobre uma cadeira para mais um indicado pelo PT que será "cosa nostra".
Ricardo Lewandowski, que aproveitou para ir à Suíça mesmo com a entrega da revisão do relatório sendo exigida pelos quatro ventos, talvez queira conscientemente melar o processo.
Sua demora é uma confissão de voto. Melhor dizendo, uma mostra de qual é sua convicção. Deve ser a mesma do relator, Joaquim Barbosa, que define o episódio do Mensalão como ato criminoso de uma quadrilha. Assim é a convicção do Procurador Geral da Repúbilca, Roberto Gurgel, que atuará como promotor no caso. Assim é a convicção, aposto, de todos os envolvidos, inclusive Lula.
Não há razões técnicas, operacionais, logísticas ou mesmo políticas para o adiamento do julgamento do Mensalão. É certo que é ano de eleição, mas fará bem à democracia uma condenação em massa de políticos corruptos, e não o contrário como pensa infelizmente grande parte até da oposição.
Lewandowski não entregou a revisão porque deve concordar com o relator. E por isso não entregará a tempo.
Os crimes prescreverão, mas parece que o objetivo é esse. Soa como se ele não tivesse mais compromissos nem com o povo, nem com o saber jurídico.
Mesmo com todas as convicções, o STF vai, com o perdão do chavão, parir um rato e daqui a algum tempo os petistas ainda baterão no peito dizendo que o Mensalão é invenção da Veja.
Não sei e nem quero imaginar se há algum tipo de ganho por parte de Lewandowski, melhor achar que não.
Caso continue com esta leniência servil, este ministro, que propositadamente adiou  a votação de um dos crimes mais hediondos de nossa história recente até a ponto de invalidar o julgamento, será na prática o maior culpado de todos.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A Utopia que nos resta


Demóstenes Torres depôs no Conselho de Ética do Senado. Falou por duas horas. Disse que estava deprimido, que era a pior fase de sua vida, e blá blá blá. Disse que não tinha idéia que Carlinhos Cachoeira era um contraventor. Disse, e disse e disse.
Bem, antes de mais nada, ele "disse". Não usou de seu direito de permanecer calado. Isso não o faz mais inocente, nem mais magnânimo, nem superior a nenhum outro que como ele foi pilhado em má-conduta.
Ele também já está sem partido. Pediu a desfiliação do Democratas, que de todo modo o expulsaria. O Democratas ainda tem um passivo a expurgar, notadamente pelo passado pefelista, mas tem se pautado por uma intolerância saudável que nunca se vê no PT.

Demóstenes Torres tem que ser cassado para o bem do Senado. Faltou com o decoro e isso é fácil de constatar. Não importa se cometeu ou não crimes. Tem que ir embora do Senado, e que a investigação continue e que lhe seja aplicada a pena proporcional caso se prove algo.
É simples assim.
Faz parte do amadurecimento democrático de um povo não ter pena nestes casos, tampouco ter medo de encarar uma decepção. Demóstenes era "do nosso time". Combatia os desmandos petistas com empenho técnico e "saúde civil", angrariando o respeito de todos. Talvez fosse o caso de ser merecedor de nossa admiração. Mas o caldo entornou. Chega. Cai o pano, ele vai embora e vida que segue.
É muito bom não se ver uma defesa cega de Demóstenes. Nenhum prócer correu em sua defesa. Seu partido não lhe dedicou uma moção de desagravo. Nem mesmo a Veja foi acusada. Teve-se com ele o rito sumário que deveria ser oferecido aos mensaleiros, operadores de recursos não-contabilizados, malversadores de verbas públicas, como compradores de tapioca, alugadores de quartos de motéis e presentados com Land Rovers.

Quem deseja uma democracia forte luta pela lisura e transparência, pela ética e pela decência como valores. Sem estes quesitos, qualquer ação política é ilegítima, desonesta e fadada ao fracasso.
Quem deseja uma democracia forte não reconhecerá como sério qualquer governo de qualquer viés ideológico, que não aja conforme ditames morais.
Há uma parte cada vez maior dos brasileiros que não reconhece o governo petista, não por ele ser de esquerda, vermelho, comuna, ou por ter tido um titular sem curso superior. Viram o nariz porque é um governo comprovadamente corrupto. Vá lá, comprovadamente, a rigor, só depois do julgamento do Mensalão. Mas a julgar pela movimentação de Lula, criticada até por Dilma, eles estão com medo.
Para uma parte cada vez maior dos brasileiros, a corrupção não tem cor, não tem barba, não tem pena nem bico. Roubo é roubo. É feio. E ponto. Se petista rouba, cadeia. Se tucano rouba, cadeia. Se peemedebista rouba, cadeia.
Muitos dos arrolados no Mensalão foram reeleitos, alguns perderam os direitos políticos, mas TODOS continuam no PT. E são defendidos e aplaudidos com fervor por onde passam.
Uma parte cada vez maior de brasileiros não tem bandidos de estimação. Não ataca o capital especulativo, nem acusa a imprensa de golpista quando "um dos nossos" é pego roubando, porque quando "um dos nossos" é pego roubando, deixa de ser "um dos nossos" e passa a ser "um ladrão".

Cometer crimes contra o povo nunca é aceitável, nem em nome de utopias.
Para uma parte cada vez maior dos brasileiros, as ditaduras são sempre ditaduras. Sejam elas militares, em nome da segurança nacional, sejam elas de Esquerda, em nome da utopia socialista.
Uma parte cada vez maior dos brasileiros aspira ver entremeados nos três poderes da República uma maioria comprometida com o bem comum. Tal feito só será possível pelo voto e pelo fortalecimento das instituições, enfim, pela democracia.
Uma parte cada vez maior dos brasileiros, na qual me incluo, acha que político não é necessariamente ladrão.
Sabemos que esta nossa utopia talvez seja mais delirante que uma ditadura do proletariado, e com ideais mais ambiciosos que os de igualdade, liberdade e fraternidade.
Não que seja necessariamente uma questão de escolha, mas a história mostra que é a utopia que nos resta.

terça-feira, 29 de maio de 2012

O vermelho e o verde

Num programa matinal de rádio que eu ouvia hoje, o economista Delfim Netto comentou o Código Florestal assim: "olha, eu não li tudo, mas a julgar pela reprovação dos dois lados, me parece que a presidente Dilma acertou. Desagradar as duas partes mostra que o Código, depois dos vetos, ficou equilibrado." Delfim nos fez lembrar um personagem encarnado por Jô Soares em sua homenagem chamado "Professor Sardinha". Tratava-se de um ministro da agricultura que entendia pouco do riscado, até por ser economista. Tanto que seu bordão era "não era bem isso que eu queria, meu negócio é números!". Bem, Delfim foi ministro da agricultura no governo Figueiredo, antes de assumir a pasta do Planejamento.

Eram tempos outros, onde se percebia que um ministro estava deslocado no ministério por conta de sua expertise e não pelo fisiologismo. E a crônica da época era implacável, como se nota pelo personagem da sátira. Hoje qualquer Wagner Rossi pode assumir a agricultura sem que sofra apupos, a não ser que haja uma reportagem que o derrube.
Mas o flagrante na entrevista de Delfim, foi que ele, a exemplo de quase todo mundo, simplesmente não leu nem o Código Florestal, seja lá em que versão, nem o texto aprovado por Dilma. Se tivesse lido não julgaria o texto pela repercussão. E nos dois lados que reprovaram, aposto, muito pouca gente leu.

Permitam-me examinar com cuidado os lados. Comecemos pelos que dizem defender o meio-ambiente. Há um tempo atrás ninguém em seu perfeito juízo se levantaria contra idéias como efeito-estufa, camada de ozônio, aquecimento global e afins. Aqueles que as defendiam o faziam para defender o Planeta, e por extensão a nossa vida. Apareciam com ameaças - do tipo derretimento das calotas polares ou furos na camada de ozônio espalhando câncer de pele como praga de gafanhoto. Ai de quem não acreditasse neles. Receberia a pecha de inimigo da Terra.
Uma das explicações da força destes argumentos e de seus argumentadores no Brasil, é a que eles cresceram num vácuo gerado pela descrença na Esquerda. Expliquemos: antes, a Esquerda era a depositária moral, a virtude pura, a garantia da promoção de igualdade. Depois dos anos de Lula, com o  Mensalão e afins e do começo de Dilma com a pasmaceira administrativa e a enxurrada de ministros ladrões ( e uma vez que a Queda do Muro não bastou para derrubar um pensamento vigente por aqui), a Esquerda passou a ser vista por muitos como depositária de vícios, desvirtuadora de instituições e promotora da igualdade só para aqueles que são nossos e nós somos teu. Ficou difícil defender a ideologia, ou pelo menos continuar batendo na tecla que seria a salvação da humanidade.
Com isso, a tocha da justiça recaiu sobre os ambientalistas, eles sim românticos, que lutam contra os poderosos do capital em nome do bem comum entre os homens e da harmonia dos bichinhos com as coisas do Criador.
A motivação é a mesma, com a mesma sanha Davi x Golias: contra o capitalismo, esse poluidor assassino.

Já que os governos de esquerda não entregaram o que prometeram, certamente por culpa da Veja, vamo nóis defender o Planeta. Assim a gente continua lutando contra os senhores do dinheiro, com direito a passeatas e protestos nas redes sociais. Nem pensar que a teoria do aquecimento global caminha para o descrédito. Muito menos que é meio longe para o sujeito pegar uma bicicleta e vir trabalhar em Santo Amaro sendo que ele mora em Cangaíba. Vale justificar a existência lutando por causas nobres e comprando crédito de carbono.

E como em toda luta, elegendo o inimigo. Muitos brasileiros, a julgar pela educação rasa que receberam, tomam produtores rurais como Senhores de Engenho. Assim, a bancada ruralista é a bancada dos Senhores de Engenho que escravizam a mão-de-obra e, pior, desmata para plantar.

Se o país obrigasse o replantio, da forma como os ambientalistas exigem, perderíamos 14% da área plantada. Seriam 33 milhões de hectares a menos, sendo que o país usa 49 milhões de hectares para produzir grãos. Isso para aumentar as áreas de preservação em menos de 4%, num cenário onde 61% de nossa vegetação nativa já se mantém intocada. É motivo de orgulho, mas se sentirmos por qualquer motivo orgulho de nosso país, a turma da luta ambiental não terá mais a quem salvar.

A bancada ruralista, bem se diga, não é uma confraria de santos. Mas também não é a voz do latifúndio, como querem nos fazer crer. Representam também o interesse de médios e pequenos produtores, que, sem força de expressão, colocam comida em nossas casas. O agronegócio é responsável por 40% da balança comercial. E representa ainda um exemplo de conjugação entre os entes público e privado, vide a Embrapa.
Foi triste ver as manifestações de "veta, Dilma" por aqueles que estão em busca desesperada por justificar suas existências em uma luta quixotesca. Como Delfim Netto, não leram em profundidade o código, nem sua redação final.
Assim como não tinham lido Marx, Gramsci, Arendt e por aí vai...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Chamem o Poirot!

O primeiro livro de Agatha Christie foi "O misterioso caso de Styles". Contava sobre o assassinato de uma matriarca dentro de sua própria mansão. Foi também a primeira aparição do detetive Hercule Poirot, belga tangido para a Inglaterra por conta da Primeira Guerra Mundial, em cuja época se passa o enredo. A Autora se mostrava promissora, bem como seu anti-herói. A história bem urdida com idas e vindas fixaria dali por diante um estilo característico na literatura mundial. Conta a desventura de Emily Cavendish, que se tornara viúva de seu rico marido, herdado a fortuna e após um prudente luto, envolvido-se em segundas núpcias com Alfred Inglethorp - bem mais novo que ela. Tal fato despertou o ódio dos enteados, Lawrence e John Cavendish, mas outras variáveis estavam envolvidas em seu assassinato, de resto desvendado por Poirot.

Ontem tivemos a ida de Carlinhos Cachoeira à CPI que leva seu nome. Foi ladeado por Márcio Thomaz Bastos, que parece querer a todo momento justificar as piadas mórbidas de advogado que já são parte de nosso folclore. Como Tiririca no teste de QI, Cachoeira ficou calado. Direito dele. Thomaz Bastos não foi lá para assegurar isso, mas sim para saber a linha da acusação - no que logrou êxito apenas parcial, uma vez que a sessão foi suspensa.
O motivo dessa CPI foi desviar o assunto do Mensalão e achincalhar a Veja. Parece que não vai funcionar. O novelo é mais emaranhado que parecia. Cachoeira, a despeito de ser um contraventor pesado, merecedor sim de um CPI, é a ponta do Iceberg. Ele operava para a Delta, que era de Fernando Cavendish. A Delta deveria ser o real foco das investigações. O problema é que envolve Sérgio Cabral, aquele que é nosso e nós somos teu, segundo Vacarezza.
A venda da Delta para o grupo JBS deveria merecer mais atenção. A pilantragem foi tão escancarada que deveria merecer mesmo era cadeia.
Essa CPI não vai investigar o Deltoduto, que colocaria o Valerioduto no chinelo. O que se trata de um erro estratégico de Lula e de todos que negam o Mensalão: o esquema da Delta aparenta ser maior, mais complexo e com maior efeito deletério sobre as contas públicas que o Mensalão. Daria facinho para esquecê-lo.
O problema é que este esquema pega muita gente, quase todo mundo da base aliada, chegando a respingar para perto de Dilma. Melhor não mexer com isso. O Mensalão tem os 40 ladrões definidos há tempos, mas no caso do Cachoeira pode ser que haja surpresas.

No livro de Agatha Christie, o primeiro suspeito foi Alfred Inglethorp, que teria todos os motivos para matar a esposa - ficaria com a herança. Não quero contar o final, mas a autora já usava de um estratagema que a consgararia: induzir o leitor a uma ordem de prioridades de suspeitos, de maneira a não abandoná-la até que o livro termine. Ela aproveita bem essa dificuldade que temos para mudar nossas crenças tão logo as estabeleçamos como verdade.

Está claro que Cachoeira, por mais que seja, ainda é pouca coisa. Abandonemo-lo na cela em que está para que pague pelos crimes que cometeu. Essa CPI já concluiu esta verdade e deveria mudar suas crenças. Nem deveria se chamar mais "Do Cachoeira" e sim "Da Delta"
Nós sabemos que nunca irão chamar Fernando Cavendish, um aristocrata tipicamente brazuca obviamente sem parentesco com os ingleses da ficção. E caso ele vá, irá permanecer calado. De todo modo algum estrago foi feito em favor da democracia e a Delta está perdendo contratos.
Mas, num delírio de imaginação, se Poirot fosse membro da CPI, como seria o diálogo entre ele e Thomaz Bastos?
Poirot iria perder feio. Nem Agatha Christie, com sua sórdida imaginação teria capacidade para criar um personagem como o ex-ministro da justiça.

sábado, 19 de maio de 2012

A culpa não é do espelho

Há um costume, não sei se apenas de brasileiros, de falar dos políticos como se fossem seres etéreos, plantados nas instituições por forças outras que não o voto. O problema não é que as pessoas se esquecem em quem votaram. O problema é que parecem não se lembrar que votaram um dia. Falam do mensalão, mas reelegem mensaleiros. Exigem a aplicação da lei da ficha limpa, mas votam em quem ostenta ficha suja. Dos políticos que foram cassados por improbidades, a esmagadora maioria teve como maior atribulação a suspensão dos direitos políticos, que na letra da lei significa não poder "votar, nem ser votado". A lei já pressupõe a possibilidade do distinto voltar a um cargo público por sufrágio, e daí impede que a súcia de incautos o reconduza.

João Paulo Cunha, aquele que foi sacar dinheiro no Banco Rural dizendo que era pagamento de TV a cabo, é talvez o melhor exemplo pois não só retornou ao Congresso legitimamente reeleito, como atualmente preside o Conselho de Ética. Ter sido pilhado em flagrante malfeito, como bem definiria a PresidentA, e ter tentado sair dele com a expicação mais cínica da época mais cínica de nossa política não impediu que eleitores dessem a ele seu voto. A tentação de perguntar a um por um dos cidadãos de Osasco e região (sua base eleitoral) a razão dos votos em João Paulo é imensa, e só não é levada a cabo por que seria grande a possibilidade de não termos na população uma fatia expressiva que se lembre de seu voto. Não surpreende também ele ocupar a primeira posição em intenção de votos para a prefeitura daquela cidade, chegando a 78 % das intenções. O que realmente acontece com os eleitores? Citamos Osasco, a quinta maior cidade de São Paulo, para certificar este fenômeno como global, não sendo mais privilégio dos grotões. Provavelmente nunca tenha sido, haja visto o Malufismo outrora grassado na maior cidade do país. Se fôssemos mesmo tentar entender o voto dos osasquenses, provavelmente sairíamos com o dístico "rouba mas faz" inspirado no Malufismo. O Petismo adaptou o lema, ficando "rouba, que nem todo mundo, mas faz".

Falando em Malufismo, veja só que interessante: nos tempos de oposição ferrenha, Marilena Chauí, uma pitoniza do PT, escrevia na revista Lua Nova, do Centros de Estudos e Cultura Contemporânea (CEDEC) a seguinte descrição dos métodos de Maluf, no longínquo ano de 1984:


"Talvez uma pista para encaminhar uma resposta apareça, se avaliarmos o sentido dos ataques pessoais desfechados pelo malufismo contra Antônio Ermírio de Morais e os que prepara contra José Sarney. O estilo empregado é o da intimidação, mesclado de difamação, calúnia e verdades.
Quantos dossiês "confidenciais" possui Maluf? Que uso pode fazer deles? Que uso já fez? Assim, o que o torna assustador é o fato de que, num país onde não existem instituições políticas no sentido pleno do termo, mas simples agrupamentos periódicos de interesses privados disfarçados em públicos, o poderio da intimidação pessoal é ilimitado porque não há como regulá-lo nem como detê-lo. O malufismo é um estilo de mando fundado na dominação pessoal."
revista lua nova, vol 01 número 03, dez/84


Que diferença encontramos destes métodos com os do PT atual? Intimidação, difamação, calúnia - a "blogosfera progressista" serve bem a estes propósitos. Dossiês confidenciais? Marilena ensinou direitinho aos orientandos (ou teriam aprendido com Maluf?) - e tivemos Caymans, Aloprados e agora o livro da Privataria. Sem falar na descrição precisa que se aplica ao PT como "estilo de mando fundado na dominação pessoal", com todos servindo a Lula.
A Professora acerta quando diz que no Brasil "não existem instituições políticas no sentido pleno do termo, mas simples agrupamentos periódicos de interesses privados disfarçados em públicos." Não existia em 84, não existe em 2012.

Pode ser que a chave esteja nos interesses privados, então vota-se em João Paulo porque apesar de roubar ele faz. Faz por quem? "Por mim", responde o cidadão, "pela minha rua, pelo emprego do meu parente e até pela minha dentadura." Eleitos sob essa filosofia, os parlamentares de qualquer nível legislarão da mesma forma: por eles, por suas ruas, pelos empregos de parentes e até por suas dentaduras.
"A culpa não é do espelho se sua cara é torta", já nos lembrava Gógol em "O inspetor geral". O Congresso Nacional não passa de um espelho. Talvez fosse hora de parar de culpá-lo e endireitar nossas caras.

Nem pródigo, nem prodígio

Aqui estamos, de volta! Após um intervalo de um ano e meio, retomaremos as atividades no Blog. É certo que tamanho intervalo se deu por conta de motivos sumamente particulares. É mais certo ainda que a volta também se dá por motivos de igual monta. De vez em quando eu entrava e relia alguns posts. Alguns ficaram datados. Outros não.
Já vamos para dois anos do Terceiro Mandato. Houve muitos momentos em que tive vontade de voltar. O debate se deteriorou, a internet tem sido usada para fins totalitários, mas muitos são os que respiram. Apesar da briga apresentar muitos golpes baixos, é inequívoca a noção de que a Esquerda deixou de ser o depositário da virtude e do bom-mocismo. Será um processo lento, mas irrefreável. Nossa Democracia sairá mais forte dele.
Em meio a isso tudo eu fico aqui, na minha trincheira de Brancaleone. Ou melhor, eu volto a ficar. Não gastei muito neste tempo, nem tinha como nem com o quê. Muito menos tenho grandes aptidões que possam me recomendar como para além do meu tempo.
Nem um nem outro. Só um soldado na lida diária com a própria consciência.
À LUTA!