sábado, 6 de abril de 2013

O senso dos cavalos

"As épocas são mais inteligentes ou menos inteligentes (...) Coube-nos por fatalidade uma das épocas mais débeis mentais e espantosas da história."
Nelson Rodrigues

A frase é de um cinismo atroz, mas o que espanta é que se mantém atual. O Brasil faz questão de se manter nestes tempos débeis mentais desde a colônia. Explicações temos aos montes, mas uma das melhores é esta fala da presidente Dilma:

“Eu queria dizer para vocês, nesta noite, aqui no Ceará, em Fortaleza e nessa escola, o compromisso forte, o compromisso que é um compromisso que eu diria o maior compromisso do meu governo. Porque é que o compromisso com a educação tem que ser o maior compromisso de um governo”.

É certo que a Presidente não tem ainda prática de falar de improviso, mesmo depois de dois anos de mandato e de um treinamento de imagem a que poucos se submeteram. Pode ser que esta prática nunca venha. Deu para entender também que seu governo tem um forte compromisso com a educação. Mas a fala beira o tatibitate, como aliás várias falas de Dilma. Se ela se expressa desta forma para nos dizer algo  que todos os nossos governantes desde Tomé de Souza já disseram, imagine como vai explicar a comédia que virou o Enem ou a total falta de projeto para o ensino público em todos os níveis. Um povo que faz as redações que faz, elege uma presidente que não passaria em concurso de oradora de formatura de ginásio.

E um povo mal-educado, inculto e embrutecido se deixa levar muito, mas muito facilmente pelo senso comum e o elege como religião, na pior acepção do termo "religião". Numa democracia, e ainda somos uma, é lícito que as pessoas tenham opiniões e que o respeitoso debate dos contrários sirva para nos engatar num processo civilizatório. Mas numa sociedade, onde por falta de educação o senso comum é lei, a democracia fica ameaçada, pois qualquer opinião fora do dito senso soa como delito. Por isso cabe aqui a expressão em inglês para senso comum - "horse sense".

Dois deputados julgados e condenados pela Suprema Corte deste país estão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Já é um acinte eles estarem na Câmara, ainda mais nesta Comissão. Esta Câmara é presidida por um deputado que representa o que de mais arcaico há em nossa política, e tem no Senado ao lado um presidente que é do mesmo naipe. Bem se diga que a posse de Renan Calheiros mereceu um abaixo-assinado, mas foi algo até pueril se comparado com a reação à presença de Marcos Feliciano na Comissão de Direitos Humanos.

O tal pastor disse, sim, um monte de bobagens sobre a união de homossexuais. Que se discorde dele e que se estranhe sua presença, logo na Comissão de Direitos Humanos. O que assusta é a virulência da discordância, que em nenhum momento foi sequer sugerida nos casos de Calheiros, Genoíno, João Paulo Cunha e Henrique Alves. Também é certo que todos têm pleno direito de escolher contra o que protestar. Mas ninguém protestou até hoje contra o artigo 226 da Constituição, que diz textualmente:

"Art. 226, § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."

Pronto, é só pressionar o Congresso para mudar este artigo. Vale sair por aí fazendo o escambau,  se beijando na boca, cantora dizendo que tem esposa. Vale até dizer que a constituição é homofóbica. Eram outros tempos e outras demandas em 1988, já estaria mesmo na hora de mudar isso. Mas não se vê nem os deputados comprometidos com a causa discutindo este artigo.

Discutir artigo constitucional é meio chato, e pode ser que apareça jurista, teólogo, enfim, gente muito preparada para avisar que o artigo não necessariamente fere o senso comum. Mais fácil sentar o porrete no pastorzinho. Ele feriu o senso dos cavalos.