quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Carta ao Ministro Ricardo Lewandowski

Prezado Ministro,

Quando começava minha instrução de oficial médico da Marinha do Brasil, o Comandante que ministrava a primeira aula nos fez ler um texto que descrevia o último dia de trabalho de um marinheiro antes da aposentadoria. Havia uma ponta de melancolia e outra de glória naquele desfecho de carreira. E muita dignidade. O professor nos lembrava que naquele momento nós começávamos a construir nosso último dia. E nos perguntava, "o que vocês querem ouvir no dia de sua despedida?".

Voltei à vida civil, mas esta aula ainda me vem quando começo qualquer projeto. Modéstia à parte lhe adianto, Ministro, que minha despedida se dará, a depender do que faço hoje, com uma ponta de melancolia, sabe-se lá se com outra de glória, mas certamente será revestida da mais cristalina dignidade.

E a sua despedida do STF? Como será? O que lhe dirão? O que terão vontade mas não lhe dirão? O senhor já parou para pensar nisso? César Peluso já se despediu há poucos dias e pode-se dizer que lutou até seu último minuto pela preservação da dignidade da Casa e por extensão da dele.
Qual seria vossa luta, Senhor Ricardo Lewandowski? Exatamente quais são vossas bandeiras? Em nome de quem se dão vossos arroubos verbais, o raciocínio circular, a leitura morosa, arrastada de seus votos, os quais todos sabemos quais serão desde que Vossa Excelência bateu o recorde de demora para a entrega da revisão do relatório do Ministro Joaquim Barbosa?

Aliás, o senhor já pensou como será a despedida de Joaquim Barbosa?

Talvez fosse didático o senhor se situar acerca de vosso cargo, ainda que ele vos tenha caído no colo pela prosaica intervenção de dona Marisa Letícia, que conhecia vossa mãe. Essas coisas são do jogo, Ministro, não precisa se envergonhar.
Mas quem sabe se eu vos dissesse que cada ato seu pode contribuir, neste momento, mais do que o de qualquer brasileiro, para mudar o que chamamos de "justiça" neste país? Também acho que o filho da vizinha de dona Marisa tenha chegado longe demais, até porque ele vem se comportando como filho da vizinha e não como Ministro da Suprema Corte. Mas não seria a hora de começar a pensar no dia em que deixará de ser Ministro e voltará a ser apenas o filho da vizinha?

Por causa de gente como o Senhor, a Justiça do Brasil será a última das instituições a se erguer. Por causa de gente como o Senhor, a frase "procure os seus direitos" é sinônimo de escárnio na boca de criminosos.

Não, Ministro Lewandowski, nós não achamos que o senhor esteja sendo esperto. Os estratagemas verbais e de construção de texto dos quais Vossa Excelência lança mão com o único fim de tornar interminável a leitura já são de conhecimento de todos. O senhor escreve mal, porque a sutileza é mister dos mestres. Sua argumentação soluçante pode ser facilmente detectada não apenas por bacharéis em direito, mas por quem é alfabetizado.
Saiba que apesar de seus esforços este julgamento terá fim um dia. O senhor terá que ler para um país inteiro o seu voto absolvendo seus credores José Genoíno e José Dirceu. Mas que esse dia chegue logo.

Ministro, se pudéssemos rogaríamos a Dona Marisa que lhe pedisse mais pressa na leitura dos votos. O conteúdo já sabemos, o desfecho do julgamento já se anunciou, e sua postura de advogado de defesa, vendido, lacaio, gatuno já é de amplo conhecimento de todos.
Podemos acabar mais cedo com isso. Ao invés de cem rodeios, por gentileza, dê apenas dez.

E pode ser que o Senhor consiga, em seu último dia, se equiparar pelo menos na ponta de melancolia ao Marinheiro da história, um marujo raso, anônimo, que durante toda uma vida nada mais teve para entregar à Pátria do que sua dignidade.

domingo, 2 de setembro de 2012

O Sermão do Bom Ladrão

O presidente do STF, Ayres Brito, ao condenar João Paulo Cunha lembrou a célebre frase do Padre Vieira que resume nossa colonização e explica como chegamos até aqui: "Os Governadores Gerais chegam pobres às Índias ricas e saem ricos das Índias pobres."
Este adágio foi retirado do "Sermão do Bom Ladrão", proferido em 1655, na Igreja da Misericórdia de Lisboa, perante D. João IV e sua corte. Pleno do estilo barroco e sob os ideais de São Tomás de Aquino, o sermão já advertia:

 "Não só são ladrões os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos."

Pondera, citando Diógenes:

"Quantas vezes se viu em Roma a enforcar o ladrão por ter roubado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo, um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província?"

E arremata com Sêneca:

"Se o rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome."

Apesar da condenação de João Paulo, este julgamento ainda deve à história. Marcos Valério ainda está solto, destruindo provas ou as guardando para momentos propícios. Roberto Jefferson foi arrolado apenas como réu mesmo tendo sido a principal testemunha e Silvinho "Land Rover" Pereira devolveu o carro, prestou serviços comunitários e continuou calado. A nenhum deles foi oferecida a delação premiada, nem a Delúbio Soares - se bem que nesse caso ele lançaria uma cortina de fumaça, ladrão de carneiros que é. O grosso do esquema ficou descrito nas páginas dos jornais e no relatório da CPI dos Correios. A atuação do Ministério Público foi tímida, inclusive por aceitar que Lula não estava envolvido. Aliás, sobre este ponto, o Padre Vieira já adivinhava em seu Sermão:

"Principes tui socii rurum: os teus príncipes são companheiros dos ladrões. E por que? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem(...)."

De agora em diante a imprensa vendida, ou simplesmente com medo da patrulha, vai ter que tirar o "suposto" da frente para se referir ao Mensalão. Não cola mais dizer que não era pagamento mensal, nem que era para caixa dois. O Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia de que houve um esquema de corrupção que sangrou dinheiro público e fez políticos do partido que se arvorava paladino da ética ficarem mais ricos. Até dá para entender a linha de defesa do "todo mundo faz", mas o que está provado em autos é o esquema do PT.
Mais do que isso, o que está provado em autos é o embuste que se mostrou este partido, a enganação de quem se vendia como pleno de lisura e o que se viu foi um partido que apenas se vendia.

Que o debate se agigante. Deixe do cinismo do "todo mundo rouba" e passe a versar sobre projetos, suas execuções e pela ética. Se depois de Stálin, Pol Pot, Mao tse-Tung e Fidel; se depois da queda do Muro de Berlim o Brasil insistia ainda em considerar a "esquerda" como o único caminho respeitável, que agora pelo menos acalente alternativas.

Fica a sugestão de uma: Adam Smith, muito mais xingado que lido por aqui:

"Pouco mais é necessário para erguer um Estado, da mais primitiva barbárie até o mais alto grau de opulência, além de paz, de baixos impostos e de boa administração da justiça: todo o resto corre por conta do curso natural das coisas."