quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Reconsidere, Dr Alexandre

"Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra.(...) Se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas."
Evangelho segundo S. Mateus 5, 39-41
 
 
  No filme Spartacus, com Kirk Douglas, há uma cena emblemática: os escravos revoltosos, finalmente acossados pelos soldados romanos, escutam o brado do centurião: "Quem de vós sois Spartacus?" O líder da revolução escrava ainda titubeava quando viu um dos seus se levantar e gritar "eu sou Spartacus!" Não deu muito tempo para reação, pois logo outro acorreu "Mentira! Eu sou Spartacus!" e mais outro "Eu sou Spartacus!" e um após outro se levantaram e logo o grupo gritava em uníssono "Eu sou Spartacus!", enquanto o verdadeiro permanecia calado.
 
  Logo depois do voto de Celso de Mello, o blog de Marcelo Centenaro lembrou um discurso proferido por Joseph Brodsky, onde nos explica claramente que o real sentido daqueles versículos do Evangelho de Mateus nos incitavam não à humildade mas sim à resistência. E o melhor caminho para tanto é o individualismo, "alguma coisa que não possa ser compartilhada, como sua própria pele, nem mesmo por uma minoria". Pois o Mal, ele deixa claro, "tem loucura pela solidez. Ele sempre procura os grandes números, o granito confiante, a pureza ideológica, os exércitos bem treinados." Acertadamente ele presume que a atração do Mal por estas coisas "tem a ver com sua insegurança inata." E chega certeiro ao diagnóstico sobre as razões do triunfo do Mal: "E ele triunfa em muitas partes do mundo e dentro de nós mesmos, dados seu volume e intensidade, dado em especial o cansaço dos que a ele se opõem."
 
  Tivemos hoje a renúncia do presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Alexandre Blay. Ao ter que conferir a licença para os cubanos poderem exercer a medicina em seu Estado, contrariando todas as determinações de seu e de outros Conselhos acerca deste tipo de caso, e ameaçado por toda uma estrutura subserviente, que vai desde o MST - que invadiu o CRM do Ceará pela resistência deste - até um ordenamento jurídico opressivo, típico de ditaduras, que manda conceder a licença aos cubanos ao mesmo tempo que lhes nega o direito de pedir asilo político, ele capitulou. E tinha razões para tanto. Porém ao tomar tal compreensível decisão ele se põe a serviço da farsa galopante que nos atropela diariamente e vai tentando minar nossa capacidade de reação.
  Os tempos são assustadores, e a construção de uma cultura bolivariana está a todo vapor. Inteligências já começam a ser cooptadas. Temos já Ives Gandra Martins dizendo coisas estranhas sobre o julgamento do Mensalão. Já foi convertido a petista histórico. Cada um depõe suas armas como pode ou como quer. A virulência fanática da argumentação petezóide nos agride, seja a nos chamar de burgueses, fascistas, macacos; seja a nos fazer temer por nossa própria integridade física. O que se vê são blocos rígidos, graníticos. Um exército de anônimos, anulados enquanto pessoas e pensantes apenas em nome de uma causa. Quem discorda é só mais um traidor, que merece por enquanto todo o desprezo. Por enquanto...
 
  O poder desnorteador de um ato individualista - termo desvirtuado pela esquerda como sinônimo de egoísmo - sempre será imenso e eficaz. Faz aumentar exponencialmente a insegurança do Mal. Entregar a outra face, mostrar que aquilo não nos atinge e que estamos dispostos a caminhar o dobro do que estão dispostos a nos impor é a nossa estratégia. Não pegar em foices e facões para enfrentar o MST - nós não sabemos fazer isso. Apenas não consertar a porta arrombada, no aguardo de novas invasões. Venham, pois vamos continuar resistindo. Não repetir palavras de ordem, com olhos esbugalhados e lançando perdigotos, mas lendo, lendo, preparando-se para a contra argumentação embasada, fortalecendo nossas ideias e as tendo se não como ideais, pelo menos como nossas. Legitimamente nossas.
  Não precisamos de tutela nenhuma, precisamos nos colocar para que mais gente não precise. Somos capazes de escolher o que vamos ver, ler, comer, ouvir, por onde navegaremos na rede e nos mares. Queremos um governo que promova a liberdade, inclusive de errar.
  Trazer pobres coitados premidos pela mais longeva e sanguinária ditadura do ocidente e a eles conferir o status de sub-médicos, sem direito nem a ter seu salário integral, sabendo que as famílias que deixaram distantes podem sofrer sanções policiais ante à menor busca de básicos direitos humanos no país novo e querer que as entidades médicas compactuem bovinamente com isso é premissa típica do Mal.
 
  O maniqueísmo está se construindo. Eu topo. Não tenho pudor nem acho pretensão dizer que sou o Bem, e com isso chamar a todos para um mundo de igualdade. Está no discurso de Joseph Brodsky, "o Mal cria raízes quando um homem começa a pensar que é melhor que outro." E quando isso ocorre, apenas ficamos em silêncio. Ao apanharmos, que seja verbalmente, o silêncio como reação e a pronta receptividade a outra pancada "não se limitam a estimular o sentimento de culpa do inimigo - este, o Inimigo consegue aplacar, mas sim submeter suas faculdades à falta de sentido de todo o empreendimento, do mesmo modo de toda produção em massa."
 
  Mas são ações nossas que nos tornearão. Temos que escolher um caminho. O Mal não admite concessões. Não existe um semi-Mal, ou um "Mal de Centro". A ações, enfim são sempre individualistas no caso da turma do Bem.
  Diferente de como foi a ação do presidente Alexandre Blay. Esta foi uma ação individual, por vezes chamada apropriadamente de "foro íntimo".
 
  Volte à sua tribuna, Dr Alexandre. Encare a situação como extrema. Apenas mire nos olhos dos opressores, que estão de lança na mão e leões famintos do lado. Fique firme, se preciso ofertando a outra face. Seja um exemplo a ser seguido.
  E daí, quando lhe perguntarem acintosamente de sua responsabilidade naquele ato de negar as licenças (que foi antes de tudo uma ato de resistência), respire fundo mas não fale. Apenas escute-nos ao fundo, dizendo juntos, com força cada vez mais contagiante: "Eu sou Spartacus!"
 
 
 
 

 


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Não me convidaram para esta festa pobre



"Gosto de ser gente porque a História em que me faço com outros e de cuja feiúra tomo parte, é um tempo de possibilidades, não de determinismos."

Paulo Freire

 
  O argumento é simples: quando quatro juízes, dentre os da turma, decidem pela absolvição do réu, ainda que os outros tenham decidido pela condenação, a decisão deve ser revista. Trata-se da ideia básica que ampara os chamados embargos infringentes. Estão previstos no Estatuto do STF, revisado em 1980. Houve uma lei aprovada pelo Congresso que regulamenta os recursos em Cortes Superiores, aprovada em 1990. Como foi aprovada pelo Congresso é hierarquicamente superior ao estatuto do STF. Esta lei não diz que os tais embargos podem ser usados. Mas também não diz que não podem. E está armada a quizomba.
 
Os votos de Joaquim Barbosa e Luiz Fux foram taxativos tanto ao dizer que os embargos infringentes eram descabidos, quanto ao demolir os argumentos a favor, inclusive com a tese simples de que um tribunal não precisa votar de novo o que já foi devida e exaustivamente votado. Vale a pena dar uma olhada neles, bem como no de Gilmar Mendes. Carmem Lúcia foi sóbria e Marco Aurélio esqueceu um pouco o fair play, mas vamos em frente.
  Nenhuma surpresa quanto à maioria dos outros. Os cãezinhos amestrados do petismo fizeram seu papel. Quem se lembrar da sabatina de Rosa Weber pelo senado - parodiada até pela MTV, quem se lembrar de quem era Dias Tofoli, e continua sendo; quem se lembrar do currículo "vergonha alheia" de Lewandowski e quem não se lembrar de Teori Zavascki vai se lembrar também que desde o acolhimento do Mensalão pelo Procurador Geral da República e sua condução à apreciação pelo STF já se vão seis anos. Vai se lembrar que esta chicana possibilitou a aposentadoria de Ayres Brito e Cezar Peluso, cujos votos condenatórios não deixariam a discussão dos embargos sequer começar. Nenhuma surpresa. Luís Barroso, porém, talvez o único dos indicados pelo petismo com grife, deu uma “calourada” – diz-se nas universidades que por mais que um aluno tenha passado pelo vestibular, no primeiro ano ele emburrece. Pode ser este o fenômeno que ocorreu no voto do Ministro, outrora um dos maiores constitucionalistas brasileiros, admirados por gregos e tucanos. Dias antes da posse, como lembrou Augusto Nunes, Barroso deixou claro que não via como aceitar os embargos, nem achava delicado se contrapor tão diametralmente à postura de Ayres Brito, seu antecessor. Aí no voto... bem, no voto ele “me sórta” que estava com pena das famílias dos acusados...  Coube a Marco Aurélio quebrar-lhe um ovo na testa, chamando-o de “novato”.
 
 A flagrante diferença de nível entre as argumentações contra e a favor dos embargos já dá o tom e dá esperança. Se os contrários aos embargos podem ser acusados de excesso de civismo em detrimento da lei, os que concordam podem também ser acusados de excesso de cinismo em favor da lei.
 
 Vai ficar nas mãos do decano. Celso de Mello teve uma das mais belas defesas do estado de direito e da decência em uma sociedade, nos votos em que condenara os mensaleiros. Concordo que não precisa ouvir o ronco (que ronco?) das ruas. Espero que não ouça o tilintar da máquina registradora. Celso Mello só tem que ouvir Celso de Mello.
 
  Vale lembrar que em 1971 este mesmo Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a lei da Censura Prévia, elaborada pelo governo Médici. Ao fim daquela seção, o ministro Adauto Lucio Cardoso levantou-se, jogou sua toga no chão e se retirou do plenário. Em 1994 julgou Fernando Collor e o absolveu por falta de provas. Daquela turma do STF faziam parte Celso de Mello, que absolveu Collor (epa...) e Marco Aurélio, que se declarou impedido por ser primo do réu.
  Não se pode dizer que o Supremo perdeu o respeito em 71, tampouco em 94. Entende-se o clima beligerante do atual momento. Mas, ainda que Celso de Mello aceite os embargos infringentes e mande o julgamento para as calendas, nem assim as coisas não estarão perdidas.
 
  Em primeiro lugar, este julgamento inverteu a densidade dos argumentos. Não só entre os ministros, mas entre as pessoas comuns. Já se encontram mais leitores de Ayn Rand, de Mises, de Ortega e Gassett, de Olavo de Carvalho. Leandro Narloch, Laurentino Gomes, Demétrio Magnoli, Luis Pondé e até o Lobão são também Best Sellers, enquanto o filme do Lula foi um mico, o livro da privataria tucana não foi lido nem pelos petistas, assim como não será a biografia de José Dirceu. Os blogs contestadores são tocados por uma rapaziada bem letrada, mas ao mesmo tempo sarcástica, que esmiúça não só as táticas da esquerda como suas incoerências internas.
  Mesmo a TV a cores na taba dos índios, finalmente programada para só dizer sim – vide o mea culpa da Globo e o editorial de ontem da Folha –  são mais do mesmo.
  As novidades neste processo todo, que pode acabar promovendo os mensaleiros a presidiários ou a mortos-vivos emanadores de enxofre começam por não se ouvir pelas ruas a palavra “inocente”. Nem mesmo o petista mais emperdernido, que nos chama de fascista depois de cinco minutos de discussão vai sustentar tal disparate. Deixem que façam festa. Festa pobre de espírito, caráter e elegância. Já sabemos qual é o negócio e o nome do sócio.
  Mas somos e seremos ainda parte da cara do Brasil. E vamos mostrá-la. Num debate sereno, embasado, contestador, corajoso. Eduquemos nossos filhos, antes que um professor de história aparelhado o eduque. O trabalho é imenso, mas necessário. A história nem tampouco as instituições terminam neste julgamento. É isso que a petezada quer de nós – desânimo.
  Mas não: avante meninos da pátria! Porque esta grande pátria, desimportante, esculhambada, achincalhada e desiludida não será em nenhum instante traída por nós.