quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Eu preciso de um Estado

 Podemos começar com um dos tópicos do "Manifesto Comunista", do Marx:

“A luta do proletariado contra a burguesia embora não seja na essência uma luta nacional, reveste-se contudo dessa forma nos primeiros tempos. E natural que o proletariado de cada pais deva, antes de tudo, liquidar sua própria burguesia.

Beleza. Temos um modelo que para dar certo necessita da destruição de uma classe social. Pelo termo "burguês" entende-se que se trata de um vendedor de mercadorias - os "burgos" eram grandes feiras para onde afluíam grande quantidade de gente. Aqueles que lá já estavam montando suas barracas eram os burgueses, a rigor uns feirantes. Tá bom que Marx tivesse dado uma acochambrada no termo, esticando-o para definir os donos dos meios de produção.
De maneira que "burguês" definiria tanto o seu Hiroshi, dono da barraca de pastel que emprega uma meia dúzia de gente, como o Bill Gates. A rigor, qualquer um que ousasse possuir alguma coisa seria um burguês. Se o sujeito tem uma casa, ele é um burguês. Se ele tem um carro, por suposto, é um burguês. Mas se ele quiser ter uma moto para fazer trilha no fim-de-semana, ele é mais burguês ainda, e pode ser que segundo o julgamento "vermelho" mereça mais ainda a morte.

Eu sou médico. Eu não fabrico produtos, nem sou comerciante. Então não devo ser burguês, né?
Por outro lado, o conceito de "mais-valia" valesse, não se aplicaria a mim, pois minha força de trabalho é empregada na promoção da saúde, e vivem dizendo por aí que a saúde das pessoas não tem preço. De maneira que pelo menos conceitualmente, minha força de trabalho não é explorada por ninguém. Então, salvo engano, eu julgo que não sou um proletário.
Mais que isso, olhem só que mimo este conceito, também no citado "Manifesto":

“Mas, o trabalho do proletário, o trabalho assalariado cria propriedade para o proletário? De nenhum modo.”

Então...
Eu sou assalariado. Tenho três empregos regidos pela CLT. Eu tenho - se me permitem - condições de ter propriedades. Uma bicicleta é uma propriedade. Um livro do Olavo de Carvalho é uma propriedade. Um IPhone é uma propriedade. Uma garrafa de Jack Daniel´s é uma propriedade. É bem bacana ter propriedades.
Deve ser mais bacana ainda ter fazendas de gado, aviões, Land Rovers e umas empresas. Perguntem ao filho do Lula como deve ser bom ter tudo isso.

Já passando dos quarenta, entendi que não deixarei herança para meus filhos. Para eles darei condições de uma formação universitária, cultural, moral e religiosa sólidas. É também para isso que trabalho. Para o Estado, eu deixo uma parte muito, mas muito substancial de meus rendimentos na forma de impostos retidos na fonte. Isso não me causa espécie desde que o Estado retorne para a sociedade o que me tomou em dinheiro. Fico bem feliz também ao considerar como minha propriedade um celular da hora, um livro novinho, um bourbon, esse laptop onde escrevo e uma ação de clube. Por que diacho eu tenho que ter vergonha de gostar disso?

Percebam que no parágrafo acima me defini como alguém que vai manter a classe social dos filhos os preparando para o mercado de trabalho através da educação; alguém que tem grande parte dos seus ganhos alijada aos impostos (não à mais-valia) e alguém que almeja ter como propriedades prioritariamente bens de consumo, e não bens de produção. Pois bem, antigamente se definia um sujeito assim como integrante da, ai ai, "Classe Média". É bem legal, me perdoem, ser da Classe Média.

Agora deixem-me citar essa passagem aqui, juro que será a última:

"Dinheiro como dádiva e dinheiro como empréstimo, era com perspectivas como essas que esperava atrair as massas. Donativos e empréstimos - resume-se nisso a ciência financeira do lúmpen proletariado (ou "lumpezinato"), tanto de alto como de baixo nível. Essas eram as únicas alavancas que o governante sabia movimentar. Nunca um pretendente especulou mais vulgarmente com a vulgaridade das massas."

Parece que estão falando do Bolsa Família? Parece que é um reaça falando do Lula? Não, é apenas Karl Marx falando de Luís Bonaparte, que restaurou a monarquia na França em... 1852! (no livro "18 Brumário")

Ocorre que a Esquerda descobriu a tempo que um dos (muitos) erros de Marx foi dizer que o trabalho do proletariado não cria propriedade. Cria SIM! E se o proletário tem propriedades e trabalha pra isso, pode ser que ele qualquer dia desses vire alguém de... Classe Média!!!

E quem sobra para ter os votos controlados? Os trabalhadores de sub-empregos, deseducados ao extremo, sem perspectivas, sem ideologia, que apenas sobrevivem, ou seja o lumpezinato.
Até algumas correntes trotskistas apontam para esta "brumarização" dos governos de esquerda, que por um lado exaltam que colocaram o proletariado na classe média, mas por outro demoniza esta mesma classe para justificar a manutenção do lumpezinato sob rédea curta, sob esmolas, sob controle, repetindo a política de Bonaparte execrada por... Karl Marx.

Eu preciso de um Estado que, para início de conversa não me odeie. Um Estado regulador dos serviços essenciais. Um Estado que possibilite que todos tenham propriedades. Um Estado que entenda que não é dono de nada e sim que tem legitimidade para gerir porque foi eleito pelos donos. Eu preciso de um Estado governado por gente decente, que tenha como sonho fazer o bem comum.

O PT já me mostrou que nunca fará este Estado.

Por isso eu voto Aécio 45.




sábado, 4 de outubro de 2014

O pirão nosso de cada dia

Eu estava num casamento que ocorria na igreja de São Judas, aquela perto da estação do metrô do mesmo nome em São Paulo. Trata-se de um templo respeitável, erguido seguindo o apelo popularíssimo do “santo das causas impossíveis”, cujas festas são muito concorridas. No aguardo da noiva, eis que ouço alguém comentar no banco de trás: “Puxa, o cara traiu Jesus e ainda merece uma Igreja dessa.” Meus impulsos de católico papa-hóstia, carola, reacionário, moralista se afloraram, mas me contive.
Pelamordedeus... não, herege, o cara que traiu Jesus só mereceu a forca pelas próprias mãos. Esse “Judas” que fez jus a toda aquela reverência era outro, chamado “Judas Tadeu”, diferenciando-se do “Judas Iscariotes” que vendeu Cristo por trinta dinheiros. Ao que parece os nomes eram meio raros naquele tempo. Na turma de Apóstolos de Jesus tínhamos dois chamados “Simão” – e neste caso em específico Jesus nos deu uma mão, chamando um deles de “Pedro”; dois com o nome de “Tiago” – curiosamente diferenciados pelas alcunhas de “Tiago Maior e Tiago Menor” (nunca entendi isso...) e finalmente os dois “Judas” – o Tadeu e o Iscariotes.
Enfim, a noiva entrou, foi uma bela cerimônia, etc e tal, mas eu nunca vi o rosto do sujeito que constatou o merecimento do traidor de Jesus. Ele, bem se diga, não estava revoltado com tal injustiça. O tom de seu comentário foi de constatação mesmo.

Vendo as denúncias de corrupção cada vez mais cabeludas nos jornais e vendo os resultados das pesquisas que apontam para mais um mandato de Dilma Roussef, lembrei-me da Copa do Mundo, e automaticamente do 7x1 e daí por extensão fui levado a Helmut Kohl.
Helmut Kohl foi primeiro-ministro da Alemanha, ainda da parte Ocidental, e que promoveu a reunificação das Alemanhas no fim da década de 80. Ele viu o muro de Berlim cair e conduziu o país a uma reunificação que parecia impossível. Foi um dos grandes homens do século 20.
Pois bem. Comprovou-se que o partido de Helmut Kohl recebera algo em torno de 600 mil dólares em doações ilegais para campanha eleitoral. Não se comprovou que Kohl soubesse destas doações. Não se comprovou que Kohl tenha se beneficiado pessoalmente deste dinheiro. Mas, ainda assim, por ser líder do partido envolvido no escândalo, derrubou-se o arquiteto da queda do Muro de Berlim sem dó nem piedade. O condutor de um dos fatos históricos mais relevantes da história do Mundo hoje não se elege nem para vereador na Alemanha.
É óbvio que isso não tem nada a ver com o 7x1. Mas é óbvio que tem.

Dilma Roussef vai ganhar nas urnas, de forma legítima, mais um mandato de presidente. Isso tem muito a ver com o fato de minha empregada ter sido inclusa no Bolsa Família, mesmo sendo registrada, recebendo cesta básica e vale-transporte. Ela chegou em casa ensinando minha esposa a conseguir tal benefício. Minha esposa tentou dizer que não teria direito pois trabalhava, assim como a nossa empregada, em um emprego registrado. Teve que ouvir que o dono do mercadinho da rua também iria receber o Bolsa Família, e que seria bom que ela se apressasse, pois podia ser que Dilma perdesse a eleição e “aquele viciado” cortasse o programa.

É só juntar as falas. Somos um povo que acha normal um apóstolo trair Jesus e merecer uma Igreja imensa. Devem achar que se pode trair um país e merecer o Palácio do Planalto. Somos um povo que acha que se pode sugar de uma empresa como a Petrobras que já esteve entre as maiores do mundo, até ao ponto de quebrá-la. E tudo isso pode, pois a corrupção existe desde que Adão comeu a maçã.
Um operário chegar à presidência derrubando preconceitos, numa realmente bela história de vida, tem salvo-conduto para arrotar contra as instituições republicanas.

Mas nós não demos essa liberdade apenas a Lula, nem a Dilma, nem ao PT. Essa libertinagem nós permitimos antes de tudo a nós mesmos. Somos o povo do “farinha pouca (ou muita), meu pirão primeiro”. Os alemães se envergonham daquele outrora considerado um estadista. Mas é porque se envergonhariam de si mesmos se tivessem sido pegos em igual delito. Os alemães se orgulham de sua seleção. Nós temos vergonha da nossa. Os alemães se orgulham de seu país. Nós não estamos nem aí pro nosso.


Até 2018...