quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Não pode, não quer, não vence

Antes que se pergunte o que se passa na cabeça de um alagoano para eleger Renan Calheiros ao senado é preciso que se pergunte o que se passa na cabeça de um paulista para eleger Tiririca. São pensamentos diferentes - se é que podem ser chamados assim - os que povoam o povo para que votem em figuras deste naipe.
Tiririca foi um voto de escárnio de uma gente mal educada, sem formação política decente, pois que para escarnecer do que quer que seja é preciso certo refinamento intelectual que nossas escolas ainda não conferem aos cidadãos. Para dizer que o Congresso é uma vergonha, tornam-no uma vergonha maior ainda com a presença de um palhaço semi-analfabeto, com todo o respeito à pessoa do Tiririca.
Calheiros foi o voto da dentadura, do compadrio, do favor para o parente, da boquinha, do "farinha pouca, meu angu primeiro".
Já se disse aqui que o Congresso é o espelho de quem o elege, e não adianta culpar o espelho se a cara é torta. Para quem está elegendo os congressistas vale primeiro seu gueto, seu interesse ou seu tosco protesto. Ter um poder republicano sólido e independente é secundário.
Quem entrega o Congresso de bandeja para a sanha do executivo somos nós os eleitores. E ficam os deputados e senadores fazendo o que qualquer um de nós faria se lá estivesse.
E o pronome é "nós" mesmo. Nessas horas fica confortável falar dos brasileiros como se fossem estrangeiros. Esta eleição de Calheiros para a presidência do senado é uma vergonha, mas sua eleição para senador também foi.
Vale corrente de abaixo-assinado, vale cobrar postura do senador em quem votou - lembrando que por muito pouco São Paulo não elegeu Netinho de Paula, vale cobrar apoio a Pedro Taques, candidato da oposição mesmo que ele vá perder feio.
E principalmente, vale não se esquecer deste episódio na próxima eleição para o Senado.
Do contrário, a chamada "Câmara Alta" vai continuar como nos tempos de Gregório de Matos (o Boca do Inferno), poeta baiano morto em 1696, que assim descrevia a Câmara Municipal de Salvador, mas que tem uma triste atualidade com nosso Senado:

"A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.

Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.
"

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A minhoca, o anzol e o tempo novo

Quando Marcelo Crivela recebeu o ministério da Pesca como um docinho para frear as pretensões de Celso Russomano em SP, que na época ainda liderava as pesquisas, assumiu com humildade dizendo que ainda iria aprender a colocar a "minhoca no anzol". Ainda era um tempo em que as secretarias usadas como consolo ou como troca de favores serviam apenas para isso. Marta Suplicy ganhou o Ministério da Cultura para apoiar Haddad.
Mas a nomeação do ex-prefeito de Diadema, José de Filippi Jr, para secretário da Saúde causaria estranheza se ninguém conhecesse o PT. A rigor o critério principal seria afastar Carlos Neder - médico pela USP com mestrado em saúde pública pela Unicamp. Neder, na elaboração do Plano de Governo do PT, disse em suma que iria rever a função das Organizações Sociais em São Paulo, que atuam em parceria junto à prefeitura em diversas áreas da saúde.
Não se sabe por que ainda insistem em ler Programa de Governo do PT, mas teve gente que leu. E obviamente caiu de pau na possibilidade de se afastar as OS de suas funções, voltando a saúde para a gestão mastodôntica da prefeitura, com todos os vícios do funcionalismo público. A fim de dirimir mais essa mentira impressa em seu, por assim dizer, plano de governo, Haddad escanteia Neder e nomeia Filippi para secretário. Na verdade, Neder estava fora de cogitação desde a campanha, recaindo sobre Marianne Pinotti, derrotada como vice de Chalita, uma possibilidade. Milton Arruda, eminente médico da USP, que estava no ministério com Alexandre Padilha, era outro nome.

Pois muito bem. Filippi é engenheiro civil. Foi prefeito de Diadema. No seu mandato construiu um troço que se chama "Quarteirão da Saúde", um prédio imenso que concentra várias atividades no setor. Na época de seu mandato eu trabalhava em uma OS de São Paulo, com várias Unidades em bairros fronteiriços com Diadema. Era comum os diademenses forjarem endereços de São Paulo para poderem ser atendidos, uma vez que em sua cidade não tinham como.
De todo modo, parece que na gestão seguinte, do prefeito Mário Reali, a saúde em Diadema melhorou, tanto que ele não foi reeleito - a despeito do desesperado apoio de Lula.
Filippi foi também coordenador financeiro da campanha de Dilma Roussef. Ficou famosa uma carta que ele enviou a várias empresas, que começava exatamente assim:

“Em 2006. procurei sua empresa como coordenador financeiro da campanha de reeleição do presidente Lula. Naquele momento, sua empresa não aceitou o convite para contribuir com nossa campanha. De todo modo, acredito que ela tenha se beneficiado com os avanços conquistados pelo Brasil…”.

Era com essa faca no pescoço que ele angrariava fundos para a campanha...

Enfim, o triste de tudo isso é que os méritos do Secretário de Saúde nomeado é não ser quem disse bobagem no Plano de Governo. Gente boa para estes cargos o PT sempre teve.
O triste de tudo isso é que Filippi, ao contrário de Haddad, não tem vocação para poste. Uma das maiores OS da capital, a SPDM, atua em Diadema. Pode ter recebido a carta acima e se enquadrado. Porque é esse tipo de enquadramento que o PT exige, só esse.
As brechas nos contratos com as OS existem e devem ser verificadas com rigor. Isso não quer dizer que devam ser extintas. Nomear este secretário, apenas revela a disposição de Haddad para acomodar a situação e deixar tudo como está.

Projetos para a saúde? Deixa pra lá...
Porque este prefeito é, segundo o slogan da campanha, "o homem novo, para o tempo novo."