terça-feira, 14 de maio de 2013

Um breve tratado do cinismo

"Cínico é aquele que ao sentir cheiro de flores começa a procurar pelo velório."
 
H. L. Mencken
 
 
Zapeio pelo CQC e vejo o repórter entrevistando os deputados federais pelos corredores do congresso. Primeiro fala João Paulo Cunha, que aos berros, disse não estar ainda condenado. O repórter admite que caberia ainda recurso (não cabe não)  e João Paulo continua a vociferar que ainda não tinha sido condenado. Paulo Maluf repetiu este mantra milhares de vezes. As circunstâncias o levaram a parar, da mesma forma que levarão João Paulo a parar também. Nenhum dos dois, a rigor, estava mentindo. Estariam se dissessem que eram inocentes, mas não lhes ocorreu estropiar a verdade desta forma. João Paulo está, como Maluf esteve, sendo cínico.

O dicionário Houaiss nos ensina que o verbete "cinismo" sofreu uma "derivação por extensão de sentido", ou seja, de uma Escola Filosófica, que pregava o desapego a tudo, passou também a designar uma "atitude de descaso às convenções sociais e pela moral vigente; imprudência; desfaçatez; descaramento."

Dentre os filósofos cínicos havia como expoente um sujeito chamado Diógenes, que segundo consta, morava num barril. Mas ao contrário do Chaves, esta tinha sido uma escolha do filósofo. Consta ainda que Alexandre, o Grande um dia parou com seu cavalo diante do barril e ordenou que lhe pedisse qualquer coisa, pois era um grande admirador seu. Diógenes respondeu solenemente "Peço-vos que saia da frente do meu sol." Uma resposta cínica, nos dois sentidos.

De alguma forma nós tendemos a perdoar, ou pelo menos a relevar as pessoas cínicas. João Paulo desceu aos infernos, indo de presidente da Câmara a um dos líderes do Mensalão. O cinismo é uma expressão do seu desespero e nem deve fazer parte de sua personalidade. Os cínicos de escol em geral são sutis, são mordazes, são corajosos, são acima de tudo pessoas inteligentes. Não se vê cínicos deste quilate no cenário político atual. Na verdade o cenário atual carece de quilates, mas isso é outra história.

Continuando o programa, o repórter aborda o deputado petista Vicente Cândido e o pergunta sobre se seria bom o PT comandar o Supremo. "Seria". O repórter adverte que de certa forma isso já acontece, pois o PT indicou grande parte dos ministros, de Gilmar Mendes a Luiz Fux, passando pelo famigerado Joaquim Barbosa. A resposta do deputado Vicente Cândido: "Mas eles não seguiram a cartilha." O repórter pergunta se a cartilha seria inocentar petistas, e aí eu já estava enojado demais para lembrar da resposta de Vicente Cândido.

Consigo lembrar que não chegou a ser uma resposta cínica, até porque ele tentou se expressar em jurisdiquês. Mas responder, assim candidamente (sem trocadilho) que o Executivo petista teria que intervir no STF porque os ministros indicados não "cumpriam com a cartilha" é para início de conversa falta de decoro. A noção de totalitarismo dos petistas faz por vezes que eles se dêem a este tipo de descaramento. Nada vai acontecer amanhã, e nem dentro do próprio CQC esta declaração repercutiu - preferiram bater em João Paulo. Vão continuar os Vicentes Cândidos a tentar surrupiar do STF sua autonomia, fundamental a uma República digna deste nome, a fim de que cumpram sua cartilha.

O adjetivo que merece a resposta de Vicente Cândido não remete a nenhuma Escola Filosófica grega. Remete sim, àquele objeto que ficava na coluna lateral, na parte interna dos saudosos Fuscas, entre os bancos da frente e os de trás. Tinha forma de gota e servia para que nele entrelassássemos a mão para melhor suportar os solavancos de um veículo feito para andar no deserto.
Todos devem se lembrar dos vários nomes que o objeto tinha. Nenhum era publicável. Mas todos definiriam com perfeição não apenas a resposta, mas a postura de homem público de Vicente Candido e dessa petralhada parasita que nos assola.


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