"Gosto
de ser gente porque a História em que me faço com outros e de cuja feiúra tomo
parte, é um tempo de possibilidades, não de determinismos."
Paulo
Freire
O argumento é simples: quando quatro juízes, dentre os da turma, decidem
pela absolvição do réu, ainda que os outros tenham decidido pela condenação, a
decisão deve ser revista. Trata-se da ideia básica que ampara os chamados
embargos infringentes. Estão previstos no Estatuto do STF, revisado em
1980. Houve uma lei aprovada pelo Congresso que regulamenta os recursos em
Cortes Superiores, aprovada em 1990. Como foi aprovada pelo Congresso é
hierarquicamente superior ao estatuto do STF. Esta lei não diz que os tais
embargos podem ser usados. Mas também não diz que não podem. E está armada a
quizomba.
Os votos de Joaquim Barbosa e Luiz Fux foram taxativos tanto ao dizer
que os embargos infringentes eram descabidos, quanto ao demolir os argumentos a
favor, inclusive com a tese simples de que um tribunal não precisa votar de
novo o que já foi devida e exaustivamente votado. Vale a pena dar uma olhada
neles, bem como no de Gilmar Mendes. Carmem Lúcia foi sóbria e Marco Aurélio
esqueceu um pouco o fair play, mas vamos em frente.
Nenhuma surpresa quanto à maioria
dos outros. Os cãezinhos amestrados do petismo fizeram seu papel. Quem se
lembrar da sabatina de Rosa Weber pelo senado - parodiada até pela MTV, quem se
lembrar de quem era Dias Tofoli, e continua sendo; quem se lembrar do currículo
"vergonha alheia" de Lewandowski e quem não se lembrar de Teori
Zavascki vai se lembrar também que desde o acolhimento do Mensalão pelo
Procurador Geral da República e sua condução à apreciação pelo STF já se vão
seis anos. Vai se lembrar que esta chicana possibilitou a aposentadoria de Ayres
Brito e Cezar Peluso, cujos votos condenatórios não deixariam a discussão dos
embargos sequer começar. Nenhuma surpresa. Luís Barroso, porém, talvez o único
dos indicados pelo petismo com grife, deu uma “calourada” – diz-se nas
universidades que por mais que um aluno tenha passado pelo vestibular, no
primeiro ano ele emburrece. Pode ser este o fenômeno que ocorreu no voto do
Ministro, outrora um dos maiores constitucionalistas brasileiros, admirados por
gregos e tucanos. Dias antes da posse, como lembrou Augusto Nunes, Barroso
deixou claro que não via como aceitar os embargos, nem achava delicado se
contrapor tão diametralmente à postura de Ayres Brito, seu antecessor. Aí no
voto... bem, no voto ele “me sórta” que estava com pena das famílias dos
acusados... Coube a Marco Aurélio
quebrar-lhe um ovo na testa, chamando-o de “novato”.
A flagrante diferença de nível entre as argumentações contra e a favor
dos embargos já dá o tom e dá esperança. Se os contrários aos embargos podem
ser acusados de excesso de civismo em detrimento da lei, os que concordam podem
também ser acusados de excesso de cinismo em favor da lei.
Vai ficar nas mãos do decano. Celso
de Mello teve uma das mais belas defesas do estado de direito e da decência em
uma sociedade, nos votos em que condenara os mensaleiros. Concordo que não
precisa ouvir o ronco (que ronco?) das ruas. Espero que não ouça o tilintar da
máquina registradora. Celso Mello só tem que ouvir Celso de Mello.
Vale lembrar que em 1971 este mesmo
Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a lei da Censura Prévia,
elaborada pelo governo Médici. Ao fim daquela seção, o ministro Adauto Lucio
Cardoso levantou-se, jogou sua toga no chão e se retirou do plenário. Em 1994
julgou Fernando Collor e o absolveu por falta de provas. Daquela turma do STF
faziam parte Celso de Mello, que absolveu Collor (epa...) e Marco Aurélio, que
se declarou impedido por ser primo do réu.
Não se pode dizer que o Supremo
perdeu o respeito em 71, tampouco em 94. Entende-se o clima beligerante do
atual momento. Mas, ainda que Celso de Mello aceite os embargos infringentes e
mande o julgamento para as calendas, nem assim as coisas não estarão perdidas.
Em primeiro lugar, este julgamento
inverteu a densidade dos argumentos. Não só entre os ministros, mas entre as
pessoas comuns. Já se encontram mais leitores de Ayn Rand, de Mises, de Ortega
e Gassett, de Olavo de Carvalho. Leandro Narloch, Laurentino Gomes, Demétrio
Magnoli, Luis Pondé e até o Lobão são também Best Sellers, enquanto o filme do
Lula foi um mico, o livro da privataria tucana não foi lido nem pelos petistas,
assim como não será a biografia de José Dirceu. Os blogs contestadores são
tocados por uma rapaziada bem letrada, mas ao mesmo tempo sarcástica, que
esmiúça não só as táticas da esquerda como suas incoerências internas.
Mesmo a TV a cores na taba dos
índios, finalmente programada para só dizer sim – vide o mea culpa da Globo e o
editorial de ontem da Folha – são mais
do mesmo.
As novidades neste processo todo,
que pode acabar promovendo os mensaleiros a presidiários ou a mortos-vivos
emanadores de enxofre começam por não se ouvir pelas ruas a palavra “inocente”.
Nem mesmo o petista mais emperdernido, que nos chama de fascista depois de
cinco minutos de discussão vai sustentar tal disparate. Deixem que façam festa.
Festa pobre de espírito, caráter e elegância. Já sabemos qual é o negócio e o
nome do sócio.
Mas somos e seremos ainda parte da
cara do Brasil. E vamos mostrá-la. Num debate sereno, embasado, contestador,
corajoso. Eduquemos nossos filhos, antes que um professor de história
aparelhado o eduque. O trabalho é imenso, mas necessário. A história nem
tampouco as instituições terminam neste julgamento. É isso que a petezada quer
de nós – desânimo.
Mas não: avante meninos da pátria! Porque esta
grande pátria, desimportante, esculhambada, achincalhada e desiludida não será
em nenhum instante traída por nós.
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