quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Não me convidaram para esta festa pobre



"Gosto de ser gente porque a História em que me faço com outros e de cuja feiúra tomo parte, é um tempo de possibilidades, não de determinismos."

Paulo Freire

 
  O argumento é simples: quando quatro juízes, dentre os da turma, decidem pela absolvição do réu, ainda que os outros tenham decidido pela condenação, a decisão deve ser revista. Trata-se da ideia básica que ampara os chamados embargos infringentes. Estão previstos no Estatuto do STF, revisado em 1980. Houve uma lei aprovada pelo Congresso que regulamenta os recursos em Cortes Superiores, aprovada em 1990. Como foi aprovada pelo Congresso é hierarquicamente superior ao estatuto do STF. Esta lei não diz que os tais embargos podem ser usados. Mas também não diz que não podem. E está armada a quizomba.
 
Os votos de Joaquim Barbosa e Luiz Fux foram taxativos tanto ao dizer que os embargos infringentes eram descabidos, quanto ao demolir os argumentos a favor, inclusive com a tese simples de que um tribunal não precisa votar de novo o que já foi devida e exaustivamente votado. Vale a pena dar uma olhada neles, bem como no de Gilmar Mendes. Carmem Lúcia foi sóbria e Marco Aurélio esqueceu um pouco o fair play, mas vamos em frente.
  Nenhuma surpresa quanto à maioria dos outros. Os cãezinhos amestrados do petismo fizeram seu papel. Quem se lembrar da sabatina de Rosa Weber pelo senado - parodiada até pela MTV, quem se lembrar de quem era Dias Tofoli, e continua sendo; quem se lembrar do currículo "vergonha alheia" de Lewandowski e quem não se lembrar de Teori Zavascki vai se lembrar também que desde o acolhimento do Mensalão pelo Procurador Geral da República e sua condução à apreciação pelo STF já se vão seis anos. Vai se lembrar que esta chicana possibilitou a aposentadoria de Ayres Brito e Cezar Peluso, cujos votos condenatórios não deixariam a discussão dos embargos sequer começar. Nenhuma surpresa. Luís Barroso, porém, talvez o único dos indicados pelo petismo com grife, deu uma “calourada” – diz-se nas universidades que por mais que um aluno tenha passado pelo vestibular, no primeiro ano ele emburrece. Pode ser este o fenômeno que ocorreu no voto do Ministro, outrora um dos maiores constitucionalistas brasileiros, admirados por gregos e tucanos. Dias antes da posse, como lembrou Augusto Nunes, Barroso deixou claro que não via como aceitar os embargos, nem achava delicado se contrapor tão diametralmente à postura de Ayres Brito, seu antecessor. Aí no voto... bem, no voto ele “me sórta” que estava com pena das famílias dos acusados...  Coube a Marco Aurélio quebrar-lhe um ovo na testa, chamando-o de “novato”.
 
 A flagrante diferença de nível entre as argumentações contra e a favor dos embargos já dá o tom e dá esperança. Se os contrários aos embargos podem ser acusados de excesso de civismo em detrimento da lei, os que concordam podem também ser acusados de excesso de cinismo em favor da lei.
 
 Vai ficar nas mãos do decano. Celso de Mello teve uma das mais belas defesas do estado de direito e da decência em uma sociedade, nos votos em que condenara os mensaleiros. Concordo que não precisa ouvir o ronco (que ronco?) das ruas. Espero que não ouça o tilintar da máquina registradora. Celso Mello só tem que ouvir Celso de Mello.
 
  Vale lembrar que em 1971 este mesmo Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a lei da Censura Prévia, elaborada pelo governo Médici. Ao fim daquela seção, o ministro Adauto Lucio Cardoso levantou-se, jogou sua toga no chão e se retirou do plenário. Em 1994 julgou Fernando Collor e o absolveu por falta de provas. Daquela turma do STF faziam parte Celso de Mello, que absolveu Collor (epa...) e Marco Aurélio, que se declarou impedido por ser primo do réu.
  Não se pode dizer que o Supremo perdeu o respeito em 71, tampouco em 94. Entende-se o clima beligerante do atual momento. Mas, ainda que Celso de Mello aceite os embargos infringentes e mande o julgamento para as calendas, nem assim as coisas não estarão perdidas.
 
  Em primeiro lugar, este julgamento inverteu a densidade dos argumentos. Não só entre os ministros, mas entre as pessoas comuns. Já se encontram mais leitores de Ayn Rand, de Mises, de Ortega e Gassett, de Olavo de Carvalho. Leandro Narloch, Laurentino Gomes, Demétrio Magnoli, Luis Pondé e até o Lobão são também Best Sellers, enquanto o filme do Lula foi um mico, o livro da privataria tucana não foi lido nem pelos petistas, assim como não será a biografia de José Dirceu. Os blogs contestadores são tocados por uma rapaziada bem letrada, mas ao mesmo tempo sarcástica, que esmiúça não só as táticas da esquerda como suas incoerências internas.
  Mesmo a TV a cores na taba dos índios, finalmente programada para só dizer sim – vide o mea culpa da Globo e o editorial de ontem da Folha –  são mais do mesmo.
  As novidades neste processo todo, que pode acabar promovendo os mensaleiros a presidiários ou a mortos-vivos emanadores de enxofre começam por não se ouvir pelas ruas a palavra “inocente”. Nem mesmo o petista mais emperdernido, que nos chama de fascista depois de cinco minutos de discussão vai sustentar tal disparate. Deixem que façam festa. Festa pobre de espírito, caráter e elegância. Já sabemos qual é o negócio e o nome do sócio.
  Mas somos e seremos ainda parte da cara do Brasil. E vamos mostrá-la. Num debate sereno, embasado, contestador, corajoso. Eduquemos nossos filhos, antes que um professor de história aparelhado o eduque. O trabalho é imenso, mas necessário. A história nem tampouco as instituições terminam neste julgamento. É isso que a petezada quer de nós – desânimo.
  Mas não: avante meninos da pátria! Porque esta grande pátria, desimportante, esculhambada, achincalhada e desiludida não será em nenhum instante traída por nós.


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