segunda-feira, 2 de junho de 2014

Bendito calor

 
"Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca".

Apocalipse 3:16

  Várias lições nos deu o ministro Joaquim Barbosa, que se aposentou do Supremo Tribunal Federal. A História vai registrar um tempo em que figurões da República foram presos por corrupção, a partir de um julgamento conduzido estritamente dentro dos ritos legais. Uma tarefa imensa que se incumbiu a Suprema Corte de uma democracia imatura. Pode ser que o país ainda não tenha se dado conta da dimensão do ocorrido, seja pela crônica falta de educação, seja pela igualmente crônica inépcia institucional que continua nos assolando malgrado o justo enjaulamento de Dirceu e comparsas.

  Há um ano várias cidades do país se sacudiam com os protestos de Junho. Nenhum nome colou para designar aquele período, o que nem é surpreendente. As lideranças da época já foram esquecidas, como os tais do Movimento Passe Livre que certamente se encontra adormecido em uma gaveta partidária pronto a ser colocado em prática quando a baderna interessar a mais uma manobra. Já nos esquecemos até do nome daquele moço com lábios bem proeminentes, líder de algum outro "coletivo". Da mesma forma, em breve nos esqueceremos deste menino, filho de um professor titular de medicina da USP, que lidera um bando que se diz sem-teto. Celebridades dignas de um BBB, pretensamente com mais conteúdo porém igualmente prenhes de espuma. 

  Por todo o país sobrou a grita contra a corrupção, mas pode ser que mesmo o manifestante mais empedernido sequer tenha cogitado escrever "mensaleiros na cadeia" em uma cartolina. O ronco das ruas foi "contra tudo de ruim que está aí desde o Brasil-colônia" e cá pra nós contra os vinte centavos de aumento no transporte público - sem contar a apelação fácil para os hospitais e escolas padrão-Fifa.

  O STF, ao contrário do que delirou Celso de Melo em seu voto aceitando os embargos infringentes, não foi diretamente pressionado. A postura de Joaquim Barbosa se anunciou desde que começou a dar indícios do que seria seu relatório, mesmo que tenha sido cobrado do contrário com as inacreditáveis alusões ao dever de gratidão por conta de sua nomeação pelo sinhozinho Lula.

  O por hora aposentado Joaquim Barbosa merece ser lembrado pela "ira santa e saúde civil". Por ter se entregue ao extremo calor revolucionário quando até poderia ter se deixado levar pela temperatura morna de um tribunal superior, confundida com temperança.

  Sua principal lição foi ter-nos mostrado que revoluções podem ser feitas não derrubando instituições, mas as fortalecendo. Que grandes paradigmas podem ser soterrados com as armas da democracia e do estado de direito. Que faz bem a uma sociedade quando alguém tem a coragem de abalar estruturas seculares registrando de cara limpa suas ações nos autos, e não cobrindo o rosto com uma máscara ninja. Nesta defesa implacável e na denúncia do cinismo regimental de alguns juízes vendidos residiu o calor de sua atuação - noves fora seu temperamento mercurial.

  Joaquim Barbosa sai do Supremo com a serenidade que só a força dos justos confere. Não precisa se intitular guerreiro, nem gritar palavras de ordem, tampouco cerrar e erguer os punhos numa desesperada caricatura.

  De erguidas bastam suas convicções, sua consciência e sua cabeça.

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