sábado, 4 de outubro de 2014

O pirão nosso de cada dia

Eu estava num casamento que ocorria na igreja de São Judas, aquela perto da estação do metrô do mesmo nome em São Paulo. Trata-se de um templo respeitável, erguido seguindo o apelo popularíssimo do “santo das causas impossíveis”, cujas festas são muito concorridas. No aguardo da noiva, eis que ouço alguém comentar no banco de trás: “Puxa, o cara traiu Jesus e ainda merece uma Igreja dessa.” Meus impulsos de católico papa-hóstia, carola, reacionário, moralista se afloraram, mas me contive.
Pelamordedeus... não, herege, o cara que traiu Jesus só mereceu a forca pelas próprias mãos. Esse “Judas” que fez jus a toda aquela reverência era outro, chamado “Judas Tadeu”, diferenciando-se do “Judas Iscariotes” que vendeu Cristo por trinta dinheiros. Ao que parece os nomes eram meio raros naquele tempo. Na turma de Apóstolos de Jesus tínhamos dois chamados “Simão” – e neste caso em específico Jesus nos deu uma mão, chamando um deles de “Pedro”; dois com o nome de “Tiago” – curiosamente diferenciados pelas alcunhas de “Tiago Maior e Tiago Menor” (nunca entendi isso...) e finalmente os dois “Judas” – o Tadeu e o Iscariotes.
Enfim, a noiva entrou, foi uma bela cerimônia, etc e tal, mas eu nunca vi o rosto do sujeito que constatou o merecimento do traidor de Jesus. Ele, bem se diga, não estava revoltado com tal injustiça. O tom de seu comentário foi de constatação mesmo.

Vendo as denúncias de corrupção cada vez mais cabeludas nos jornais e vendo os resultados das pesquisas que apontam para mais um mandato de Dilma Roussef, lembrei-me da Copa do Mundo, e automaticamente do 7x1 e daí por extensão fui levado a Helmut Kohl.
Helmut Kohl foi primeiro-ministro da Alemanha, ainda da parte Ocidental, e que promoveu a reunificação das Alemanhas no fim da década de 80. Ele viu o muro de Berlim cair e conduziu o país a uma reunificação que parecia impossível. Foi um dos grandes homens do século 20.
Pois bem. Comprovou-se que o partido de Helmut Kohl recebera algo em torno de 600 mil dólares em doações ilegais para campanha eleitoral. Não se comprovou que Kohl soubesse destas doações. Não se comprovou que Kohl tenha se beneficiado pessoalmente deste dinheiro. Mas, ainda assim, por ser líder do partido envolvido no escândalo, derrubou-se o arquiteto da queda do Muro de Berlim sem dó nem piedade. O condutor de um dos fatos históricos mais relevantes da história do Mundo hoje não se elege nem para vereador na Alemanha.
É óbvio que isso não tem nada a ver com o 7x1. Mas é óbvio que tem.

Dilma Roussef vai ganhar nas urnas, de forma legítima, mais um mandato de presidente. Isso tem muito a ver com o fato de minha empregada ter sido inclusa no Bolsa Família, mesmo sendo registrada, recebendo cesta básica e vale-transporte. Ela chegou em casa ensinando minha esposa a conseguir tal benefício. Minha esposa tentou dizer que não teria direito pois trabalhava, assim como a nossa empregada, em um emprego registrado. Teve que ouvir que o dono do mercadinho da rua também iria receber o Bolsa Família, e que seria bom que ela se apressasse, pois podia ser que Dilma perdesse a eleição e “aquele viciado” cortasse o programa.

É só juntar as falas. Somos um povo que acha normal um apóstolo trair Jesus e merecer uma Igreja imensa. Devem achar que se pode trair um país e merecer o Palácio do Planalto. Somos um povo que acha que se pode sugar de uma empresa como a Petrobras que já esteve entre as maiores do mundo, até ao ponto de quebrá-la. E tudo isso pode, pois a corrupção existe desde que Adão comeu a maçã.
Um operário chegar à presidência derrubando preconceitos, numa realmente bela história de vida, tem salvo-conduto para arrotar contra as instituições republicanas.

Mas nós não demos essa liberdade apenas a Lula, nem a Dilma, nem ao PT. Essa libertinagem nós permitimos antes de tudo a nós mesmos. Somos o povo do “farinha pouca (ou muita), meu pirão primeiro”. Os alemães se envergonham daquele outrora considerado um estadista. Mas é porque se envergonhariam de si mesmos se tivessem sido pegos em igual delito. Os alemães se orgulham de sua seleção. Nós temos vergonha da nossa. Os alemães se orgulham de seu país. Nós não estamos nem aí pro nosso.


Até 2018...

Um comentário:

  1. Ainda torço por uma reviravolta... as pesquisas por enquanto ajudam o Aécio.
    Quando puder, lembre-se que tem um blog com saudades do seus textos também. Abraços!

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