domingo, 13 de dezembro de 2015

Hybis e a Sibila de Cumas

"Os artigos da Constituição sobre o impeachment são tão claros quanto a traição de Capitu, no Dom Casmurro, de Machado de Assis. Só no Brasil uma coisa e outra são passíveis de discussão."
Comentário do Blog "O Antagonista", de 11/12/15



Sim, está havendo uma tragédia no Brasil.
Crise é pouco. Crise é quando a gente ainda não vê faixas defronte a lojas se fechando com os escritos "Passo o ponto. Fora Dilma!" Crise é papo de café da manhã, ou aquecimento de prosa em churrascos de domingo, antes do Campeonato Brasileiro ou da Dança dos Famosos. Numa crise você não atende a um paciente num hospital do SUS que no meio da consulta começa a lançar impropérios contra a presidente.
Uma crise sempre é mais matreira, por pior que seja. Uma tragédia perpassa o país e atropela o cotidiano das pessoas.
Apesar da epígrafe, esse texto não é sobre aqueles que ainda se enganam sobre que o que está em curso seja um golpe. A felicíssima comparação só está ali para entendermos o mais primitivo dos processos humanos de auto-defesa, que é a negação. Até Jesus Cristo quando se viu cercado de guardas romanos de lanças e chicotes em punho perguntou "quem vocês estão procurando?" (João, cap18, v4). Na nossa tragédia provavelmente nem teremos a pomposidade de um despautério deste ou de outro nível qualquer. Nossa presidente não tem neurônios sequer para algo do tipo "que comam brioches!".

Falaremos do início da tragédia, sobre o que a deflagrou. Algo de podre sempre houve neste e em qualquer reino, e sempre haverá. Mas receio que o comportamento petista uma vez que assumiu o poder remete ao que na literatura grega se chama "Húbris" ou "Hybris". A Hybris é sempre prenúncio de tragédia. Cito a definitiva explicação do termo, extraída de Priscila Gontijo Leite, da Universidade de Coimbra:

"Na literatura grega, de uma maneira geral, o termo hybris possui um forte conteúdo moral, e é empregado para descrever comportamentos condenáveis aos olhos da coletividade, e que provocam vergonha e desonra aos outros. Assim, a hybris é um comportamento que se tem em relação ao outro, que pode pertencer à esfera humana ou divina.
A hybris é sempre um ato negativo e voluntário, envolvendo uma vítima. Tem como causa o excesso, seja ele de dinheiro, poder, ambição, comida, bebida, sexo ou de prepotência proveniente da loucura juvenil.A pessoa, quando está tomada pela hybris, fica em um estado mental que corresponderia ao que se nomeia de “cheia de si”. Nesse estado, a pessoa volta-se exclusivamente para a satisfação de seus desejos, livre de qualquer constrangimento. O sujeito no estado de hybris irá tentar realizar aquilo que almeja, mesmo que isso corresponda a um desrespeito ao outro."

O poder nos leva sempre à Hybris. Vem-me agora uma historinha interessante contada pelo jornalista Augusto Nunes. Seu pai, político do interior, prefeito da cidade por algumas gestões, anuncia num almoço de família que deixará a política. Alguém quebra o silêncio e lhe pergunta a razão. A resposta foi seca: "Estão chegando ao meu preço."
A petezada, quando assumiu, nem noção de seu próprio preço tinha. Apresentaram-se a nós, perdão, venderam-se a nós como pilares de princípios pétreos, que ao final se moldaram aos de Grouxo Marx, em sua tirada, "Estes são meus princípios. Mas se você não gostar deles eu tenho outros."

O PT não inventou a corrupção, que aliás continuará após o impeachment. O PT inaugurou em nossa história uma grandiosa, ambiciosa e quase exitosa tomada do poder e da máquina de gerir a nação apenas e tão somente para satisfazer sua Hybris. E vinha se entregando a esta empreitada com a fome de um parasita que morre junto com a presa.
Já são deuses, já estão no Olimpo, já são intocáveis. Com a tragédia em curso, e a "nêmesis" dos deuses a pleno vapor ainda bradam contra um tal golpe que não resiste a uma argumentação de um primeiranista de direito.
E neste sentido encontraram outros mortais, companheiros de Hybris, como André Esteves e Marcelo Odebrecht.

É essa cultura que temos que tirar do Planalto, fazendo tremer a terra na passeata de hoje. É a empáfia vazia, a verve discurseira empolada, enrolona, os produtores de uma cornucópia de lambanças que nem o legado de terem retirado a elite do poder poderão se arvorar de ter deixado.

Sim, Eduardo Cunha é bandido de alto quilate. Vai cair também. Ibsen Pinheiro presidiu a sessão do Congresso que derrubou Collor de Mello. Tempos depois, por conta de uma reportagem sensacionalista da Veja, foi cassado. Chegou a se reconciliar com o repórter em um almoço e terminou como presidente do Internacional de Porto Alegre. Numa das entrevistas que deu depois de "absolvido", deu uma resposta marcante ao entrevistador, que lhe perguntou o que lhe passou pela cabeça após a cassação injusta. Disse ele "minha primeira decisão foi não morrer."

Corta agora para Lula.
Pode ser que não seja preso. Pode ser que nem a processo responda. Pode ser que se enclausure num de seus palácios que ajudamos a construir. A ele está reservado o destino da Sibila de Cumas, uma das mais belas sacerdotisas de Apolo. Plena de Hybris, enche a mão de areia e pede ao deus que lhe conceda tantos anos de vida quantos grãos de areia estivessem naquele momento em sua mão. Suma superioridade dos deuses sobre nós, a ninguém havia ocorrido pedir a imortalidade com tamanha desfaçatez. Mas Apolo assim concedeu, e por muito tempo Sibila reinou como a imortal entre mortais. Porém se esqueceu de um detalhe. Não pediu que a juventude lhe fosse perene e Apolo, marotamente, também ignorou este aspecto.
E então, com o tempo, ela encolhe, emurchece, transforma a pele num pregueado de lama esturricada. Somente os olhos e a voz permanecem potentes. É então posta dentro de uma gaiola, ser de crostas escuras, mãos encarquilhadas, que continua a compreender o mundo, mesmo com todos morrendo à sua volta. Conta o poeta Ovídio, que as crianças ao ouvir seus lamentos, lhe perguntavam o que queria. E então sua voz sussurrava cava: "ah, eu só queria morrer."


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