quinta-feira, 18 de julho de 2013

"Mensaleiros na cadeia!"

(Escrito por inspiração das idéias do Dr. Leonardo F. Zimmerman)
 

  Jean Paul Sartre definiu o Maio de 68 na França desta forma numa entrevista dois anos depois: "Ainda estou pensando no que aconteceu, não compreendi muito bem. Não pude entender o que aqueles jovens queriam, então acompanhei como pude. Fui conversar com eles na Sorbonne, mas isso não queria dizer nada." 
  Sartre ia na frente em algumas manifestações e enfrentou a polícia. O general Charles de Gaulle, presidente francês à época, deu ordens para que não prendessem o filósofo. As manifestações uniam estudantes em greve e trabalhadores também em greve. Em uma das maiores passeatas, Daniel Cohen-Bendit, líder estudantil, organizou a distribuição dos manifestantes, e deu o clássico grito "A canalha stalinista vai para o fim do cortejo!" Foi o estopim da briga com o Partido Comunista Francês, que se retirou dos protestos, fazendo com que aquilo naturalmente evoluísse para um movimento apartidário. Ao contrário de Sartre, o presidente de Gaulle entendeu a mensagem que chegava daquele furdunço. Poderia ter convocado um plebiscito para reformar a política. Preferiu convocar eleições mesmo. Se tivessem que tirá-lo do governo, que fosse pelo voto - estadistas geralmente fazem assim. Depois chamou a Confédération Generále du Travail, a CUT deles, e concedeu aumento aos trabalhadores, terminando com a greve. Um mês depois vencia as eleições, indicando para primeiro ministro o conservador George Pompidou.

 Viajemos no tempo, dez anos antes, para a Suécia (tenham paciência comigo...). Final da Copa do Mundo entre o time da casa e o Brasil. A segunda final de nossa seleção, oito anos depois do Maracanazo, que enterrara nossa auto estima. Antes dos cinco minutos do primeiro tempo, a Suécia abre o placar. Um a zero pros caras. O time brasileiro parou atônito por alguns segundos enquanto o estádio em Estocolmo explodia em vibração. De repente todos pareceram acordar e foram correndo buscar a bola dentro do gol de Gilmar, ainda caído. No meio da correria, Didi fez um gesto brando pedindo a bola. Pegou-a e todos foram correndo para o meio do campo. Menos ele. O "Príncipe Etíope", como o chamava Nelson Rodrigues foi caminhando calmamente de cabeça erguida, conduzindo a bola com a mão espalmada, como se a levasse numa bandeja. Naquela curta caminhada até o círculo central, Didi acalmou a todos e o jogo recomeçou com os ânimos serenados. Vavá empatou três minutos depois e o resto a gente já sabe.

  Nas manifestações no Brasil de Junho último, um cartaz chamou atenção: era envergado por respeitáveis senhores de meia para terceira idade e dizia: "Os jovens de 1968 apoiam os jovens de 2013". Sartre morreu sem ter entendido o maio de 68. Esses aí do cartaz irão no mesmo caminho. E não entenderão o junho de 2013. Mas o cartaz fez sentido. Ambos foram movimentos apartidários, baseados na explosão de hormônios e na necessidade de se apanhar da polícia para justificar a própria existência. O espírito sessentaeoitista impregnou este movimento brasileiro de agora e o pôs a perder. O negócio começou a degringolar quando outro cartaz disse "Não é só pelos 20 centavos", e passou a ser por tudo. E para piorar, no governo central temos uma figura decorativa, que mal articula uma frase, à frente de um ministério mastodôntico e fisiológico. Há quem possa sentir falta de um de Gaulle. Mas falta mesmo faz um Didi.

  A atitude de sair correndo a esmo, chutando a bola pra frente para recomeçar logo o jogo, é o melhor caminho para a derrota. Já há a sensação de que tudo não passou de uma marola, um espasmo que gerou reações igualmente espasmódicas do poder central. Pode ser que fosse uma utopia vencer os suecos na casa deles. Mas só seria possível com organização, foco e uma dose saudável de serenidade em meio ao natural arrojo do esporte. Foi isso que Didi quis passar aos companheiros. É perigoso que surja um dono da bola agora, mas a atitude cabe.

  A birra com os políticos e com a política em geral não produziu um slogan. Movimento popular para dar certo no Brasil, precisa de frase pronta, que nada mais é que a expressão do que motiva as pessoas a estarem nas ruas. Foi assim com os últimos levantes de peso em nossa história recente. "Anistia ampla, geral e irrestrita", "Diretas já" e "Fora Collor". Falta alguém explicar porque em nenhuma cartolina apareceu a frase "Mensaleiros na cadeia".
  O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela culpa dos mensaleiros. Estão todos soltos, alguns "trabalhando" no Congresso. A melhor das Reformas Políticas começará quando todos forem presos. Pode ser utopia sim. E utopia é antes de tudo crença. Talvez comecemos a entender esses protestos quando considerarmos que foram movidos justamente pela descrença.
  É legal sair às ruas, aquietar a consciência com a idéia de que se está fazendo história. Mas até para isso é necessário método. Não precisa ser nada complexo não. Em lugar nenhum do mundo houve passeata pelo voto distrital misto. Esse movimento das passeatas de junho minguou porque não fez o simples. Exultou-se o apoteótico, o barulho, a irreverência - noves fora os baderneiros - parou-se as avenidas. Mas acabou na quarta-feira de cinzas. Bradou-se contra a política tradicional e contra tudo que está aí, mas os mensaleiros foram deixados em paz.
  Bastava um slogan, repetido como um mantra. José Dirceu e sua corja na cadeia seria sim didático, revolucionário, um feito para lavar a alma de uma geração. Mas por hora vamos de reforma na saúde, que a reforma política morreu com o natimorto plebiscito.
 
  Falando em reforma da saúde, ocorreu-me outra frase para cartolina: "Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são." Essa apareceu em "Macunaíma", de Mário de Andrade. Foi publicado em 1928, 40 anos antes do Maio francês. Lembrei disso agora porque minha cachorrinha está latindo mais que carro de som de sindicato. Ela sempre faz isso quando tem muita formiga no quintal.
 


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