sábado, 19 de maio de 2012

A culpa não é do espelho

Há um costume, não sei se apenas de brasileiros, de falar dos políticos como se fossem seres etéreos, plantados nas instituições por forças outras que não o voto. O problema não é que as pessoas se esquecem em quem votaram. O problema é que parecem não se lembrar que votaram um dia. Falam do mensalão, mas reelegem mensaleiros. Exigem a aplicação da lei da ficha limpa, mas votam em quem ostenta ficha suja. Dos políticos que foram cassados por improbidades, a esmagadora maioria teve como maior atribulação a suspensão dos direitos políticos, que na letra da lei significa não poder "votar, nem ser votado". A lei já pressupõe a possibilidade do distinto voltar a um cargo público por sufrágio, e daí impede que a súcia de incautos o reconduza.

João Paulo Cunha, aquele que foi sacar dinheiro no Banco Rural dizendo que era pagamento de TV a cabo, é talvez o melhor exemplo pois não só retornou ao Congresso legitimamente reeleito, como atualmente preside o Conselho de Ética. Ter sido pilhado em flagrante malfeito, como bem definiria a PresidentA, e ter tentado sair dele com a expicação mais cínica da época mais cínica de nossa política não impediu que eleitores dessem a ele seu voto. A tentação de perguntar a um por um dos cidadãos de Osasco e região (sua base eleitoral) a razão dos votos em João Paulo é imensa, e só não é levada a cabo por que seria grande a possibilidade de não termos na população uma fatia expressiva que se lembre de seu voto. Não surpreende também ele ocupar a primeira posição em intenção de votos para a prefeitura daquela cidade, chegando a 78 % das intenções. O que realmente acontece com os eleitores? Citamos Osasco, a quinta maior cidade de São Paulo, para certificar este fenômeno como global, não sendo mais privilégio dos grotões. Provavelmente nunca tenha sido, haja visto o Malufismo outrora grassado na maior cidade do país. Se fôssemos mesmo tentar entender o voto dos osasquenses, provavelmente sairíamos com o dístico "rouba mas faz" inspirado no Malufismo. O Petismo adaptou o lema, ficando "rouba, que nem todo mundo, mas faz".

Falando em Malufismo, veja só que interessante: nos tempos de oposição ferrenha, Marilena Chauí, uma pitoniza do PT, escrevia na revista Lua Nova, do Centros de Estudos e Cultura Contemporânea (CEDEC) a seguinte descrição dos métodos de Maluf, no longínquo ano de 1984:


"Talvez uma pista para encaminhar uma resposta apareça, se avaliarmos o sentido dos ataques pessoais desfechados pelo malufismo contra Antônio Ermírio de Morais e os que prepara contra José Sarney. O estilo empregado é o da intimidação, mesclado de difamação, calúnia e verdades.
Quantos dossiês "confidenciais" possui Maluf? Que uso pode fazer deles? Que uso já fez? Assim, o que o torna assustador é o fato de que, num país onde não existem instituições políticas no sentido pleno do termo, mas simples agrupamentos periódicos de interesses privados disfarçados em públicos, o poderio da intimidação pessoal é ilimitado porque não há como regulá-lo nem como detê-lo. O malufismo é um estilo de mando fundado na dominação pessoal."
revista lua nova, vol 01 número 03, dez/84


Que diferença encontramos destes métodos com os do PT atual? Intimidação, difamação, calúnia - a "blogosfera progressista" serve bem a estes propósitos. Dossiês confidenciais? Marilena ensinou direitinho aos orientandos (ou teriam aprendido com Maluf?) - e tivemos Caymans, Aloprados e agora o livro da Privataria. Sem falar na descrição precisa que se aplica ao PT como "estilo de mando fundado na dominação pessoal", com todos servindo a Lula.
A Professora acerta quando diz que no Brasil "não existem instituições políticas no sentido pleno do termo, mas simples agrupamentos periódicos de interesses privados disfarçados em públicos." Não existia em 84, não existe em 2012.

Pode ser que a chave esteja nos interesses privados, então vota-se em João Paulo porque apesar de roubar ele faz. Faz por quem? "Por mim", responde o cidadão, "pela minha rua, pelo emprego do meu parente e até pela minha dentadura." Eleitos sob essa filosofia, os parlamentares de qualquer nível legislarão da mesma forma: por eles, por suas ruas, pelos empregos de parentes e até por suas dentaduras.
"A culpa não é do espelho se sua cara é torta", já nos lembrava Gógol em "O inspetor geral". O Congresso Nacional não passa de um espelho. Talvez fosse hora de parar de culpá-lo e endireitar nossas caras.

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