terça-feira, 29 de maio de 2012

O vermelho e o verde

Num programa matinal de rádio que eu ouvia hoje, o economista Delfim Netto comentou o Código Florestal assim: "olha, eu não li tudo, mas a julgar pela reprovação dos dois lados, me parece que a presidente Dilma acertou. Desagradar as duas partes mostra que o Código, depois dos vetos, ficou equilibrado." Delfim nos fez lembrar um personagem encarnado por Jô Soares em sua homenagem chamado "Professor Sardinha". Tratava-se de um ministro da agricultura que entendia pouco do riscado, até por ser economista. Tanto que seu bordão era "não era bem isso que eu queria, meu negócio é números!". Bem, Delfim foi ministro da agricultura no governo Figueiredo, antes de assumir a pasta do Planejamento.

Eram tempos outros, onde se percebia que um ministro estava deslocado no ministério por conta de sua expertise e não pelo fisiologismo. E a crônica da época era implacável, como se nota pelo personagem da sátira. Hoje qualquer Wagner Rossi pode assumir a agricultura sem que sofra apupos, a não ser que haja uma reportagem que o derrube.
Mas o flagrante na entrevista de Delfim, foi que ele, a exemplo de quase todo mundo, simplesmente não leu nem o Código Florestal, seja lá em que versão, nem o texto aprovado por Dilma. Se tivesse lido não julgaria o texto pela repercussão. E nos dois lados que reprovaram, aposto, muito pouca gente leu.

Permitam-me examinar com cuidado os lados. Comecemos pelos que dizem defender o meio-ambiente. Há um tempo atrás ninguém em seu perfeito juízo se levantaria contra idéias como efeito-estufa, camada de ozônio, aquecimento global e afins. Aqueles que as defendiam o faziam para defender o Planeta, e por extensão a nossa vida. Apareciam com ameaças - do tipo derretimento das calotas polares ou furos na camada de ozônio espalhando câncer de pele como praga de gafanhoto. Ai de quem não acreditasse neles. Receberia a pecha de inimigo da Terra.
Uma das explicações da força destes argumentos e de seus argumentadores no Brasil, é a que eles cresceram num vácuo gerado pela descrença na Esquerda. Expliquemos: antes, a Esquerda era a depositária moral, a virtude pura, a garantia da promoção de igualdade. Depois dos anos de Lula, com o  Mensalão e afins e do começo de Dilma com a pasmaceira administrativa e a enxurrada de ministros ladrões ( e uma vez que a Queda do Muro não bastou para derrubar um pensamento vigente por aqui), a Esquerda passou a ser vista por muitos como depositária de vícios, desvirtuadora de instituições e promotora da igualdade só para aqueles que são nossos e nós somos teu. Ficou difícil defender a ideologia, ou pelo menos continuar batendo na tecla que seria a salvação da humanidade.
Com isso, a tocha da justiça recaiu sobre os ambientalistas, eles sim românticos, que lutam contra os poderosos do capital em nome do bem comum entre os homens e da harmonia dos bichinhos com as coisas do Criador.
A motivação é a mesma, com a mesma sanha Davi x Golias: contra o capitalismo, esse poluidor assassino.

Já que os governos de esquerda não entregaram o que prometeram, certamente por culpa da Veja, vamo nóis defender o Planeta. Assim a gente continua lutando contra os senhores do dinheiro, com direito a passeatas e protestos nas redes sociais. Nem pensar que a teoria do aquecimento global caminha para o descrédito. Muito menos que é meio longe para o sujeito pegar uma bicicleta e vir trabalhar em Santo Amaro sendo que ele mora em Cangaíba. Vale justificar a existência lutando por causas nobres e comprando crédito de carbono.

E como em toda luta, elegendo o inimigo. Muitos brasileiros, a julgar pela educação rasa que receberam, tomam produtores rurais como Senhores de Engenho. Assim, a bancada ruralista é a bancada dos Senhores de Engenho que escravizam a mão-de-obra e, pior, desmata para plantar.

Se o país obrigasse o replantio, da forma como os ambientalistas exigem, perderíamos 14% da área plantada. Seriam 33 milhões de hectares a menos, sendo que o país usa 49 milhões de hectares para produzir grãos. Isso para aumentar as áreas de preservação em menos de 4%, num cenário onde 61% de nossa vegetação nativa já se mantém intocada. É motivo de orgulho, mas se sentirmos por qualquer motivo orgulho de nosso país, a turma da luta ambiental não terá mais a quem salvar.

A bancada ruralista, bem se diga, não é uma confraria de santos. Mas também não é a voz do latifúndio, como querem nos fazer crer. Representam também o interesse de médios e pequenos produtores, que, sem força de expressão, colocam comida em nossas casas. O agronegócio é responsável por 40% da balança comercial. E representa ainda um exemplo de conjugação entre os entes público e privado, vide a Embrapa.
Foi triste ver as manifestações de "veta, Dilma" por aqueles que estão em busca desesperada por justificar suas existências em uma luta quixotesca. Como Delfim Netto, não leram em profundidade o código, nem sua redação final.
Assim como não tinham lido Marx, Gramsci, Arendt e por aí vai...

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